No Brasil, 74% da populaa§a£o éusua¡ria da Internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicalios, realizada pela Cetic.br.
Domanio paºblico
A Internet criou um ambiente: o espaço virtual. Agimos, vivemos, convivemos, enfim, levamos nossas vidas cada vez mais entre online e o offline, a ponto de haver quem negue essa distinção. A geração nascida no inicio dos anos de 1990 foi a última a ter presenciado um mundo sem este espaço virtual.[1] A partir de agora, todas as gerações necessariamente estara£o em um mundo conectado. A revolução digital já aconteceu e foi intensificada pela pandemia da COVID-19. Trabalho remoto, em muitos setores, e a educação remota em todos os naveis, tomaram o lugar das atividades presenciais, aumentando ainda mais nossas vidas no espaço virtual.
Nãopodemos cair, entretanto, na fala¡cia dos nativos digitais. Primeiro, porque ninguanãm nasce sabendo usar a Internet, e nada garante que criana§as e adolescentes, adultos ou idosos aprendera£o a usa¡-la corretamente sozinhos. A aprendizagem por tentativa e erro énatural, mas vem com o prea§o dos riscos e do desconhecimento sobre as potencialidades da tecnologia. Segundo, porque as pessoas não tem as mesmas experiências com a Internet. No Brasil, 74% da população éusua¡ria da Internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicalios, realizada pela Cetic.br.[2] A pesquisa aponta também a desigualdade deste acesso: 58% das pessoas acessam a Internet somente pelo celular, sendo que 85% destas pessoas são pertencentes a s classes D e E, reflexo da hista³rica desigualdade social em nossopaís. Sa£o pessoas que não tem, por exemplo, as mesmas oportunidades de acesso a servia§os que outras.
Existem, então, comportamentos e atitudes que devem ser ensinadas a s pessoas, de qualquer idade, no uso da Internet. No espaço virtual nem tudo épossível. Uma pessoa ou um usua¡rio não pode ficar a sua própria sorte. Como pontua Fernando Barrientos Del Monte, embora a Internet seja um serviço fornecido predominantemente por empresas privadas, seu uso épaºblico, tornando o espaço virtual um bem comum.[3] Assim sendo, este espaço precisa ter regras que protejam as pessoas, a semelhança do que acontece com shopping centers ou casas abertas ao paºblico.
Um conhecimento importante a ser ensinado são os antigos e os novos direitos que emergem nessa realidade virtual, os direitos (humanos) digitais. Ha¡ os direitos que se mantem semelhantes no espaço online e offline, que são “esticados†para o ciberEspaço (ex. direitos de justia§a, não discriminação e igualdade). Ha¡ os direitos traduzidos, que requerem a tradução para este espaço (ex. proteção de dados pessoais e a restauração do prejuazo sofrido). E, finalmente, háos direitos propriamente digitais, que exigem uma nova linguagem (ex. acesso livre, igual e seguro a rede como um direito humano).[4] Na Europa, por exemplo, especialistas elaboraram uma “Carta dos direitos fundamentais digitais da Unia£o Europeiaâ€.[5] A carta convidapaíses a regularem o espaço virtual com direitos fundamentais manimos.
Os direitos humanos digitais também começam a ser protegidos no Brasil. Duas leis importantes são o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD (Lei nº 13.709/2018). O Marco Civil da Internet, por exemplo, defende diversos direitos e garantias no uso da Internet e prevaª o dever do Estado em capacitar as pessoas para “o uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o exercacio da cidadaniaâ€. Tambanãm indica iniciativas públicas de fomento a cultura digital, que precisam promover a inclusão digital, buscar reduzir as desigualdades e fomentar a produção e circulação de conteaºdo nacional.
Essa cultura digital baseada em direitos humanos digitais, então, deve ser ensinada nas escolas e pelas famalias, com apoio da sociedade. Nessa linha, a Nova Base Nacional Comum Curricular estabelece um tratamento transversal do tema, articulando-o com outrasDimensões nas prática s que aparecem, ora como competaªncia, ora como habilidade a ser desenvolvida, tanto no ensino fundamental, quanto no ensino manãdio. Portanto, o dever de os Espaços educacionais tratarem do tema transversalmente estãocolocado.
Mas como fazer isso na prática ? Como fazer com que um campo do conhecimento, como a matemática, a química ou a educação física possam tratar destes temas?
Traªs linhas ba¡sicas se abrem aqui:
- Inserção da cultura digital nas disciplinas do curraculo, de maneira transversal. Significa ensinar função exponencial por meio de viralização nas redes sociais ou ensinar interpretação de notacias por meio de fake news;
- Inserção da cultura digital por meio de projetos interdisciplinares ou em atividades no contraturno, de maneira que temas específicos possam ser trabalhados com estudantes sob várias perspectivas, como o domanio dos algoritmos nas redes sociais;
- Inserção da cultura digital na construção da comunidade escolar, de maneira a construir Espaços de dia¡logo, aprendizagem e resolução de conflitos não apenas com estudantes, mas com familiares e entorno social.
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Encerramos com dois exemplos de discussaµes sobre direitos que surgiram recentemente. O primeiro direito que chamamos a atenção e impactou diretamente os educadores éo direito ao acesso livre, igual e seguro a rede. Apesar de 86% dos estudantes brasileiros de 16 anos ou mais de todos os naveis terem acompanhado as aulas ou atividades remotas, 36% dos estudantes de 16 anos ou mais tiveram dificuldades para acompanhar as aulas, seja por falta ou baixa qualidade da conexão a internet.[6] A acessibilidade foi uma realidade que as escolas tiveram que enfrentar quando suspenderam as aulas para iniciar as atividades remotas e quando as iniciaram. Trabalhar com os estudantes projetos para acesso a rede de quem não consegue éapenas um dos caminhos para fomentar cultura digital na escola.
Outra questãorecorrente éa obrigação abrir ou não a ca¢mera durante a aula. Juridicamente, ela opaµe o direito a privacidade e intimidade contra o poder da escola de fixar as regras no seu ambiente. Mas éuma situação que também precisa levar em consideração conhecimentos da pedagogia, como a necessidade do controle do ambiente da aprendizagem, e da psicologia, como o estado emocional de estudantes, familiares e educadores nesta situação. Como levar estudantes a renunciarem a seu direito a privacidade? A solução passa por convencimento e conforto do ambiente, não pela obrigação. Â
Para mais dicas, organizamos um evento inteiro para discutir esses e outros temas. Anote aa: o Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) FGV Direito SP, em parceria com o Naºcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), promove o Bate-papo | Educadores e Internet, a presença de especialistas para debaterem questões como estas. Confira a programação, inscreva-se e participe deste bate-papo: https://nic.br/evento/bate-papo-educadores-e-internet/. Os dia¡logos também ficara£o disponíveis para quem quiser ou são puder ver depois. Veja também mais sobre nosso projeto Formação de educadores para o ensino de direitos humanos digitais em https://bit.ly/3kicsZb. Juntos, podemos criar um ambiente digital com respeito aos direitos.
As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com
Guilherme Forma Klafke
Lader de projetos e pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV DIREITO SP. Doutor (2019) e Mestre (2012-2015) em Direito Constitucional pela Universidade de Sa£o Paulo. Professor do programa de pós-graduação lato sensu da FGV DIREITO SP. a‰ colaborador da Sociedade Brasileira de Direito Paºblico desde 2011, onde coordenou a Escola de Formação Paºblica (2017). Foi professor de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito de Sa£o Bernardo do Campo (2017-2018).
Dease Camargo Maito
Pesquisadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV DIREITO SP. Doutoranda (2018-2021), no Programa de Pa³s-Graduação em Saúde Paºblica da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto (FMRP-USP). Mestra (2017), pelo Programa de Pa³s-Graduação em Direito da Faculdade de Direito de Ribeira£o Preto (FDRP-USP).