Opinião

Autoritarismos, autoridades e formas de estar no mundo: uma visão ecossistemica
Nas sociedades “democra¡ticas”, o autoritarismo pode ser disfara§ado de várias maneiras, atravanãs do mercado, das instituia§aµes, da propaganda, dos conceitos de desenvolvimento, crescimento, riqueza, trabalho, educação, conhecimento e liberd
Por André Francisco Pilon - 29/08/2021


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As pessoas podem ser divididas entre aquelas que querem mudar sistemas pola­ticos e econa´micos perversos e aquelas que cuidam em manipula¡-lo a seu favor se forem suficientemente espertas para permanecerem inca³lumes. Os resultados dependera£o da quantidade e do poder de cada grupo para manter ou alterar a situação.

O aspecto majorita¡rio não éo aºnico fator, o poder não éapenas uma questãode números ou maiorias, mas de possibilidades efetivas de intervenção; os oligarcas internacionais, as elites privilegiadas dificilmente renunciara£o aos estatutos que lhes permitem editar as leis que legitimam seus interesses e ações, capturando as agaªncias que os reforçam.

Parte da literatura destaca o “autoritarismo” como uma ameaça crescente aos regimes democra¡ticos em todo o mundo. A questãoéque, afinal, os interesses investidos, os grupos dominantes certamente lutara£o ferozmente para manter seus privilanãgios pola­ticos e econa´micos, qualquer que seja o regime dominante.

A democracia, no papel, édiferente na prática e pode atéser o oposto. Nas sociedades “democra¡ticas”, o autoritarismo pode ser disfara§ado de várias maneiras, atravanãs do mercado, das instituições, da propaganda, dos conceitos de desenvolvimento, crescimento, riqueza, trabalho, educação, conhecimento e liberdade.

O autoritarismo transparece nas políticas das corporações de nega³cios que buscam o controle da legislação na arena pública (lobby, suborno) e ditam estilos de vida atravanãs das mensagens orquestradas pelos media de massa, eventos, entretenimento, conteaºdos de curra­culos escolares, produtores, celebridades, influenciadores.

A livre escolha érestrita pela oferta de produtos e estilos de vida apresentados como a única alternativa para uma vida boa, apesar das crescentes disparidades culturais, educacionais, sociais e econa´micas, que teriam de ser enfrentadas, mas não uniformizadas, adequando-se a s peculiaridades e necessidades das pessoas envolvidas.

Enquanto uma parcela da população usa o planeta para aumentar seu poder pola­tico e econa´mico, a maioria não tem condições essenciais para prosperar como seres humanos: carecem de apoio judicial, saúde pública, saneamento, educação, segurança, Espaços de convivaªncia, áreas verdes, alimentação adequada.

Laa§os, valores e necessidades são manipulados em benefa­cio dos arautos da globalização; estilos de vida tradicionais enraizados em nichos específicos, como os povos inda­genas, enfrentam o poder do sistema econa´mico, pola­tico e tecnola³gico, que impaµe seu “paradigma de produtividade”, em prejua­zo do equila­brio natural.

As políticas públicas ignoram as prioridades de transformações, as conjunturas cra­ticas que levam a diferentes resultados, os embates entre instituições formais e informais e agaªncias de elite que privilegiam seus interesses, inclusive atravanãs de soluções tecnologiicas, como ferramentas certas para a solução de problemas derivados do pra³prio sistema.

O autoritarismo éconhecido por assombrarpaíses onde as pessoas estãoinsatisfeitas com a ma¡ qualidade de vida, a criminalidade, a insegurança, a corrupção pola­tica generalizada, a alta dos prea§os, os baixos sala¡rios, a inflação, o desemprego, os meios de subsistaªncia, a paz social, a caraªncia de instituições eficazes para proteger seus direitos.

A história mostra que essa foi a situação pré-golpe de Estado em muitospaíses do mundo, desencadeando sangrentas revoluções na Frana§a monarquista, na Raºssia czarista e a ascensão de ditaduras em diferentespaíses da Europa no século passado. La­deres autorita¡rios aproveitaram o momento para galvanizar em direção a ideologias redentoras.

Filosofias políticas, regimes de governana§a são objeto de discussão desde a Granãcia antiga: a democracia ateniense permitia decisaµes plebiscita¡rias, quando a cidadania estava confinada a um pequeno número de pessoas. Atualmente, a tomada de decisaµes éintermediada, nos parlamentos atuais, por grupos econa´micos e pola­ticos, distantes da sociedade.

O “localismo”, a democracia deliberativa, envolvendo as pessoas em decisaµes que as afetam emnívellocal, abrangendo produção e consumo, governana§a, tradições, valores, cultura e identidades, reinstaura os conceitos anarquistas sobre a regulação da vida pública pela construção consensual das regras coletivas, decididas coletivamente.

a‰ necessa¡rio distinguir autoridade de autoritarismo. A autoridade não éabsoluta, ésempre cautelosa, garantindo que outras considerações, interesses institua­dos ou costumeiros, não interfiram na investigação dos fatos, ou seja, zela para que a ciaªncia, a raza£o, a anãtica prevalea§am em justa medida, e não de forma dogma¡tica.

Uma civilização ecola³gica forma seres humanos, não consumidores para o mercado; políticas de “sustentabilidade” não podem ignorar aspectos fundamentais de Bildung, como a preservação do patrima´nio cultural e outros componentes essenciais da qualidade de vida, aspectos fa­sicos, sociais e culturais para prosperar como seres humanos.

Promover ações hola­sticas e transformadoras do ecossistema (critanãrios de transparaªncia, resultados e impacto) demanda valores e visaµes compartilhados, novas aliana§as e liderana§as, o desenvolvimento de comunidades resilientes, a construção de novos nichos socioculturais, tendo em vista novas formas de estar no mundo.

A recuperação da Terra e a recuperação da humanidade são faces da mesma moeda, elas estãoentrelaa§adas, são complementares e devem ser tratadas simultaneamente no espaço e no tempo, de forma ecossistemica, para seu apoio maºtuo. O foco deve estar no fena´meno geral, no caldo efervescente, não nas bolhas desuperfÍcie.


AndréFrancisco Pilon
Professor associado da Faculdade de Saúde Paºblica da USP

As opiniaµes expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

 

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