Os debates sobre esse tema normalmente são bastante acalorados e, infelizmente, em muitos casos, sem a tecnicidade e rigor cientafico que o tema exige.
imagem: divulgaçãoÂ
Recentemente, o Projeto de Lei 6.299/2002, que garante mais modernização, transparaªncia e rigor cientafico na aprovação de pesticidas, foi debatido e aprovado no Plena¡rio da Ca¢mara dos Deputados. Foram discutidas questões relacionadas a segurança alimentar, número de registros aprovados nos últimos anos, modernização, defesa da vida e participação da Anvisa e do Ibama no processo regulata³rio.
Os debates sobre esse tema normalmente são bastante acalorados e, infelizmente, em muitos casos, sem a tecnicidade e rigor cientafico que o tema exige.
A Lei 7.802/89, na anãpoca da sua publicação foi, sem daºvida alguma, uma lei inovadora. Poranãm, já estãoultrapassada, somando mais de 30 anos desde a última atualização. Durante esse período, ocorreram diversos avanços cientaficos e tecnola³gicos que precisam ser incorporados a nova lei, como: a análise e comunicação do risco; a maior segurança na utilização dos defensivos; a agilização do registro; e a priorização de produtos novos com melhores características.
As competaªncias constitucionais atribuadas aos órgãos da agricultura, saúde e meio ambiente na avaliação e fiscalização desses produtos permanecem em vigor e necessa¡rias. O que épreciso nesse processo éa busca pela melhor divisão dessas atribuições, a fim de se evitar retrabalho e melhorar a eficiência e transparaªncia nos processos de avaliação.
Ao contra¡rio do que muitos pensam, a fiscalização e análise que antecedem a aprovação dos pesticidas continuara£o com o mesmo rigor, envolvendo aspectos toxicola³gicos (Anvisa / Ministanãrio da Saúde), ambientais (Ibama / Ministanãrio do Meio Ambiente) e agrona´micos (Mapa / Ministanãrio da Agricultura). Tambanãm estãoassegurada a manutenção das garantias de segurança a saúde do trabalhador, do consumidor de alimentos e do meio ambiente, sem prejuazo da eficácia dos produtos a serem aplicados no campo.
Atravanãs da transparaªncia do procedimento de avaliação dos defensivos, produtos mais modernos chegara£o ao mercado sem que o processo de aprovação seja prejudicado ou flexibilizado. Vale ressaltar que os agricultores são são autorizados a utilizar defensivos agracolas com receita agrona´mica, comprovando a necessidade.
O agronega³cio tem um papel fundamental na economia do Brasil. Passamos de importadores de alimentos a uma potaªncia agroambiental, com sãolida base cientafica. A cada ano produzimos mais alimentos e as pragas agracolas impedem a expressão da produtividade das plantas cultivadas. Sa£o necessa¡rias diversas medidas de manejo, entre elas a utilização de defensivos agracolas ou pesticidas, tanto químicos como biola³gicos.
O conhecimento cientafico e o avanço tecnola³gico permitem afirmar que novos ingredientes químicos destinados ao combate das pragas agracolas são sempre mais eficientes e trazem menores riscos ambientais e a saúde humana.
Ha¡ necessidade, portanto, entre outros aprimoramentos, de se discutir tecnicamente um novo marco regulata³rio.
A partir disso, nota-se que as divergaªncias existentes a respeito do Projeto de Lei devem ser resolvidas com base na ciaªncia, na tecnologia e no conhecimento. A intensa polarização somente prejudica a imagem do nossopaís. Veja o que o PL propaµe de forma resumida:
• Alteração da nomenclatura (de agrota³xicos para Pesticidas e Produtos de Controle Ambiental): o Brasil éa única nação que chama essas substâncias de agrota³xicos. Na Amanãrica Latina são produtos fitossanita¡rios e praguicidas; nos Estados Unidos, na Espanha e em Portugal, pesticidas.
• A implementação de sistemas informatizados: o Substitutivo apresentado reitera a necessidade de informatização do processo e interação entre os órgãos Mapa, Ibama e Anvisa.
• Competaªncias da saúde, agricultura e meio ambiente: a proposta apresentada procurou evitar que órgãos envolvidos no processo de avaliação praticassem os mesmos atos, evitando-se com isso “retrabalhoâ€. As competaªncias atribuadas aos órgãos registrantes (seja agricultura ou meio ambiente) não excluem as competaªncias dos órgãos responsa¡veis pelos setores do meio ambiente e saúde, principalmente no que se refere ao estabelecimento de exigaªncias para a elaboração dos dossiaªs e, ainda, quanto a avaliação do risco ambiental ou toxicola³gico.
• Avaliação de risco para aprovação dos pesticidas: a Anvisa já adotava essa forma de avaliação desde 2019 (RDC 294/2019). Trata-se de uma ferramenta cientafica de sistematização das informações disponíveis para a tomada de decisão, reconhecida internacionalmente hámuitos anos, sendo utilizada desde a década de 70 como ferramenta para a decisão regulata³ria por importantes agaªncias como EPA e o FDA nos EUA e a EFSA na Europa.
• Registro Tempora¡rio (RT): trata-se de uma novidade. O Substitutivo apresentado ao PL 6.299/02 estabelece a concessão do registro tempora¡rio (RT), pelo órgão registrante, quando o solicitante cumprir com o estabelecido pela lei, mas não houver manifestação conclusiva pelos órgãos responsa¡veis pela Agricultura, Meio Ambiente e Saúde dentro dos prazos acima indicados. Como requisitos para a emissão do RT, a lei exige que os produtos estejam registrados para culturas similares ou para usos ambientais similares em pelo menos trêspaíses membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econa´mico osOCDE que adotem, nos respectivos a¢mbitos, o Código Internacional de Conduta sobre a Distribuição e Uso de Pesticidas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura osFAO.
• Registro para pesquisa e experimentação. O Substitutivo propaµe que registro para pesquisa e experimentação somente seja exigido para ingredientes ativos ainda não registrados. Previsão já contida no Decreto 10.833/2021.
• Produtos destinados exclusivamente para exportação: o Substitutivo dispensa do registro os produtos destinados exclusivamente a exportação, substituindo o registro por um comunicado de produção para a exportação. A dispensa proposta visa a desburocratizar o sistema de exportação, já que que cadapaís estãosubmetido a regras próprias para utilização de pesticidas e todo o sistema de produção e transporte interno desses produtos já éregulamentado.
• Autorização de extensão de uso de pesticidas em culturas com suporte fitossanita¡rio insuficiente: o Substitutivo apresentado cria uma autorização de extensão de uso de pesticidas em culturas com suporte fitossanita¡rio insuficiente osCSFI, a ser concedida pelo Mapa, o que permite que um agricultor utilize produtos que inicialmente não foram registrados para aquela cultura, desde que cumpridos os requisitos ali previstos.
• Reavaliação x Reanálise: a proposta apresentada disciplina de modo mais seguro o procedimento de reavaliação, esclarecendo quais os critanãrios técnicos a serem observados e, ainda, as competaªncias de cada órgão envolvido, de modo a contemplar a segurança juradica do processo. A proposta, traz, ainda, uma importante inovação ao estabelecer a necessidade de um plano fitossanita¡rio de substituição do produto em reanálise, visando ao controle de alvos biola³gicos que porventura possam ficar sem alternativas para manejo.
• Das Competaªncias da Unia£o, dos Estados, do Distrito Federal: as competaªncias da Unia£o, dos Estados e do Distrito Federal já estãoestabelecidas na Constituição Federal. O Projeto Substitutivo prevaª que os Estados e o Distrito Federal usem os dados existentes no registro dos órgãos federais para o exercacio de suas atividades de controle e fiscalização, o que diminui a burocracia, eliminando a necessidade de as empresas comerciantes realizarem o cadastro em todos os Estados, para são então poderem comercializar seus produtos. Se o produto já estãoautorizado pelos órgãos registrantes não hájustificativa para que não possam ser comercializados em um dos Estados da federação.
• Penalidades: outra alteração trazida pelo Substitutivo éo considera¡vel aumento do valor da penalidade de multa e reprimenda de crimes de contrabando.
• Produção própria (on farm). Durante a votação do PL, foi acolhida uma sugestãode mudança pontual que prevaª que os pesticidas biola³gicos para uso pra³prio não precisam de registro em algumas situações. A regra vale para os biola³gicos produzidos por pessoa física ou juradica para uso em lavouras próprias. Essa inovação causa preocupação e contanãm uma contradição com as diretrizes de avaliação de segurança a que se propaµe a nova legislação.
A discussão desse projeto de lei agora estãono Senado e ira¡ contribuir para o aprimoramento dos instrumentos regulata³rios vigentes.
Lidia Jorge dos Santos
Conselheira do Conselho Cientafico Agro Sustenta¡vel (CCAS)
JoséOta¡vio Menten
Presidente do CCAS e professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP
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