Saúde

Leucina pode conter meta¡stases de tumores agressivos
a‰ o que mostra estudo de pesquisadores da Unicamp em artigo recanãm-publicado no peria³dico Scientific Report , do grupo da Nature
Por Carmo Gallo Neto - 09/02/2020



A caquexia, sa­ndrome que leva a  perda dos tecidos muscular e adiposo, da massa corpa³rea e consequentemente de peso, determinando o extremo enfraquecimento do organismo, acomete principalmente portadores de determinados tipos de canceres mais agressivos que se manifestam particularmente no pulma£o, esta´mago, pa¢ncreas e intestino grosso. Essa sa­ndrome, que provoca um intenso emagrecimento, levou a população a cunhar a expressão “são pele e osso” ao referir-se a pessoas muito magras e extremamente debilitadas. Suas vitimas manifestam grande fragilidade e fadiga intensa, o que reduz a qualidade de vida. Em cerca de 80% dos pacientes com estado avana§ado de ca¢nceres, a caquexia éresponsável por 30% das mortes.

O Laborata³rio de Nutrição e Ca¢ncer, coordenado pela professora Maria Cristina Cintra Gomes Marcondes, do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, concentra-se no estudo do que ocorre no organismo de animais (ratos) portadores de tumores que desenvolvem a caquexia. Uma das estratanãgias que vão sendo muito utilizadas em humanos para combater essa sa­ndrome éa suplementação alimentar com leucina, um aminoa¡cido essencial muito conhecido por esportistas que almejam o desenvolvimento da massa muscular. Ela efetivamente atua no aumento da massa muscular acelerando sua sa­ntese proteica, robustecendo o maºsculo, ajudando o processo hipertra³fico e contribuindo para a diminuição da quebra (atrofia) do maºsculo. No paciente, a manutenção da massa muscular adequada permite que ele não perca a qualidade de vida,  contribuindo para que seu organismo se recupere mais facilmente de cirurgias e resista aos efeitos dos tratamentos para controlar a proliferação do ca¢ncer. Igualmente, no rato com tumor a suplementação alimentar com leucina visa diminuir a perda da massa muscular e consequentemente a perda de peso corpa³reo. Como essa atuação se da¡ éo principal objeto de estudos do Laborata³rio.

Embora o Laborata³rio estivesse sempre muito focado em estudar o maºsculo, com vistas a minimizar seu comprometimento em decorraªncia da caquexia, em novo trabalho orientado pela docente, a bia³loga e pa³s-doutoranda Laa­s Rosa Viana se propa´s a direcionar as pesquisas para o tecido tumoral que provoca essa sa­ndrome. A pergunta que se colocava era: seráque a leucina, tão eficiente para a manutenção e desenvolvimento da massa muscular, não contribuiria também para o desenvolvimento do pra³prio tumor? “Resolvemos, então, focar nossa atenção na determinação de qual seria o efeito da leucina no desenvolvimento e metabolismo do tumor. Mesmo porque,  se já era amplamente conhecido que a leucina pode estimular a sa­ntese proteica no maºsculo esquelanãtico e estudos recentes mostravam aumento na capacidade oxidativa da canãlula muscular relacionada com esse amino a¡cido, por outro lado, os efeitos da leucina em tecidos tumorais precisavam ser melhor elucidados”, esclarece ela. 

Desse trabalho resultou um grande achado e uma descoberta auspiciosa: a constatação de que os ratos submetidos a dieta suplementada com leucina desenvolvem menor número de meta¡stases, assim chamadas, como amplamente sabido, as manifestações tumorais que ocorrem em outros órgãos ou tecidos, além do tumor original, embora não houvesse diminuição do seu tamanho. Detectou-se também  a redução da captação de glicose, surpreendente, pois a maioria das células cancera­genas utiliza preferencialmente a glicose como fonte energanãtica, constituinte fundamental do seu metabolismo. 

A pesquisa

A pesquisa concentrou-se no tumor de Walker 256, um adenocarcinoma originalmente mama¡rio, um câncer de mama, identificado inicialmente em uma rata, em 1928, pelo pesquisador de quem lhe veio o nome. Ele écomumente introduzido em animais para induzir a caquexia porque reproduz com muita proximidade o que ocorre em humanos e também por ser já muito bem estudado. As células do tumor são inoculadas nos animais que simultaneamente passam a receber alimentação suplementada com leucina. 

Com efeito, ratos da linhagem Wistar portadores do tumor foram aleatoriamente distribua­dos em dois grupos. Os animais de um dos grupos receberam uma dieta padrãode ratos e os do outro grupo foram  submetidos a  mesma dieta suplementada com 3% de leucina.

Esse tumor, a exemplo de muitos outros, tem grande afinidade por glicose. Para determinar eventuais diferenças da sua captação pelo tumor dos ratos constituintes dos dois grupos injetou-se glicose marcada radiativamente nos animais anestesiados.  Verificou-se então que os tumores dos animais que receberam suplementação alimentar de leucina foram os que captaram menos glicose. Ocorre que o consumo de glicose pelas células cancera­genas estãointimamente relacionado a  agressividade do tumor e ao desenvolvimento de meta¡stases. E, de fato, nos animais em que o tumor se tornou menos agressivo verificou-se menor número de sa­tios de meta¡stases. Uma alvissareira constatação.

O achado ésurpreendente, pois, se a leucina estimula a sa­ntese proteica, contribuindo para o aumento da massa muscular, por que não contribuiria também para a progressão do tumor? Então, como explicar o efeito da leucina no controle da agressividade do tumor? Os tumores se alimentam preferencialmente com glicose em um mecanismo também conhecido como efeito Warburg, atravanãs do qual as moléculas de glicose são quebradas produzindo muito lactato que, quando exportado para fora das células do tumor, causa acidificação do meio extracelular, o que favorece a formação de meta¡stases. Entretanto, a leucina altera esse metabolismo no tumor e o processo deixa de ser essencialmente glicola­tico e passa a ser preferencialmente oxidativo. Essa nova via energanãtica leva a  diminuição da produção de lactato e, em decorraªncia, diminui a acidez do meio extracelular, reduzindo concomitantemente a formação de meta¡stases. O artigo, publicado no prestigiado peria³dico Scientific Report, do grupo Nature, sob o titulo “Dieta rica em leucina induz mudança no metabolismo tumoral, reduzindo o consumo de glicose e meta¡stase em ratos portadores do tumor de Walker 256”, aborda basicamente essa importante modificação no mecanismo metaba³lico do tumor causada pela leucina, que elucida  seu efeito.

As pesquisas em ratos foram também reproduzidas in vitro alimentando diretamente as células cancera­genas com leucina, em um processo livre de interferaªncias suscetíveis de se verificarem nos organismos animais muito mais complexos, o que permitiu validar os resultados.

Alerta


Para a professora Maria Cristina, o trabalho possibilitou um salto com a revelação de que um aminoa¡cido, embora benanãfico para recuperação e formação da massa muscular, não contribui para o desenvolvimento do tumor, pelo contrario, diminui sua agressividade e consequentemente a possibilidade de meta¡stases. O tumor não deixa de crescer, mas tem reduzida sua agressividade e proliferação para outros órgãos ou tecidos, minimizando a possibilidade de mortes por meta¡stases. Essas foram as descobertas mais importantes. Apesar disso, ela alerta: “Os resultados devem ser relativizados, pois resultaram de estudos em animais e sobre um tumor especifico. Seria muito perigoso extrapolar agora os resultados para humanos e para outros tumores. O acompanhamento de pacientes com câncer deve ser assessorado por médicos, nutricionistas e nutra³logos“.

A docente lembra que, para uma segunda etapa do estudo, estãosendo entabuladas parcerias com pesquisadores do Hospital de Cla­nicas (HC) da Unicamp, com vistas a  possibilidade de trabalhar com amostragens de portadores de ca¢nceres agressivos e estender as descobertas experimentais para futuramente verificar os resultados em pacientes.

Embora grande parte do estudo tenha sido efetuado por Laa­s no Laborata³rio de Nutrição e Ca¢ncer, as pesquisadoras enfatizam que todas as análises necessa¡rias ao desenvolvimento do trabalho são puderam ser realizadas graças a s parcerias estabelecidas com vários pesquisadores da Unicamp, o que evidencia seu cara¡ter multidisciplinar, fundamental para atingir resultados de maiores amplitudes e impactos. Neste particular, elas destacam as colaborações dos professores Celso Dario Ramos, do Departamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Manãdicas (FCM) e diretor do Servia§o de Medicina Nuclear da mesma unidade; Anibal Eugenio Vercesi, do Departamento de Patologia Clinica tambem da FCM; Leonardo Reis Silveira, do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional, do Instituto de Biologia (IB); e Sa­lvio Roberto Consonni, do Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual do mesmo instituto. Consideram, também, muito importante que a população seja informada das pesquisas desenvolvidas em uma universidade pública e que, portanto, deve ter o compromisso e a obrigação de prestar contas a  sociedade brasileira que a mentem. 

 

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