Procedimento que consome 30% do plasma de banco de sangue no HC pode ser desnecessa¡rio: maioria dos pacientes com cirrose tem coagulaa§a£o normal antes da transfusão
Grupo de 53 pacientes com cirrose do Hospital das Clanicas (HC) da
Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) foi submetido a testes com
um equipamento chamado Trombograma Calibrado Automaticamente (CAT,
na sigla em inglês), que mede a quantidade total de trombina,
proteana responsável pela coagulação do sangue, gerada pelo organismo os
Foto: Jorge Maruta / USP Imagens
Quando uma pessoa tem cirrose no fagado, uma das complicações mais comuns são os sangramentos, que costumam ser tratados ou prevenidos com transfusaµes de plasma sanguaneo, na tentativa de melhorar a capacidade de coagulação do sangue. Poranãm, uma pesquisa realizada no Hospital das Clanicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), feita durante três anos em um grupo de 53 pacientes com cirrose internados no hospital, revela que 96% deles tinham coagulação normal antes da transfusão e apenas 1,9% tiveram melhoras depois de receber plasma. O resultado foi obtido graças a um novo manãtodo de teste sanguaneo que mede a quantidade de trombina, proteana que realiza a coagulação. O teste, ainda em fase experimental, podera¡ no futuro reduzir o procedimento pouco útil ao paciente e os custos do SUS com transfusaµes de sangue.
“A cirrose éa fase avana§ada de várias doenças do fagado, que possui diversas causas, como varus, a¡lcool, medicamentos, alterações imunola³gicas, de metabolismo e fígado gorduroso, cuja incidaªncia estãoaumentando e sera¡
um grande problema de saúde nos pra³ximos anosâ€, relata o professor Alberto Farias, da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia Clanica do HC, um dos orientadores da pesquisa. “Ela écaracterizada pela destruição e perda de função do fagado, que deixa de fazer depuração, armazenamento e metabolização de substâncias e para de contribuir com a defesa imunola³gica e a digestão.â€
Farias explica que, no inacio, as doenças hepa¡ticas não tem sintomas visaveis, que são aparecem quando 70% do fígado deixa de funcionar. “Na fase mais avana§ada, elas atingem outros órgãos, como coração, cérebro, pulma£o, rim, intestinos, maºsculos, ossos e algumas gla¢ndulas. Isso faz com que o paciente precise ser atendido por vários especialistas, o que torna o tratamento muito caroâ€, observa. “Nesse esta¡gio, os principais sintomas são olhos amarelos, barriga d’a¡gua, e como os pacientes costumam vomitar sangue, são feitas transfusaµes de sangue para tratar o sangramento, uma das principais complicações decorrentes da cirrose.â€
O principal tipo de transfusão feita em pacientes de cirrose éo de plasma sanguaneo, para melhorar a coagulação do sangue, afirma o professor. “Transfusaµes de sangue são um recurso muito utilizado em hospitais de todo o mundo, em diversas situações, e salvam vidas. Nos casos de cirrose, ela éusada frequentemente antes da realização de procedimentos invasivos, para prevenir sangramentoâ€, aponta. “Embora os pacientes com cirrose representem apenas 8% das internações em hospitais como o HC, eles consomem 30% do plasma dos bancos de sangue. Transfusaµes são a segunda maior despesa do Sistema ašnico de Saúde (SUS) com esses pacientes, por isso éimportante medir com precisão a sua efica¡cia.â€
Testes de coagulação
A pesquisa analisou 53 pacientes do HC durante 36 meses. Antes e depois das transfusaµes, amostras de sangue foram submetidas a dois testes de coagulação. “Para ocorrer a coagulação do sangue éfundamental que o fígado produza substâncias chamadas fatores da coagulação que, ao serem ativados, resultam na geração de uma proteana chamada trombina, etapa fundamental.†Atualmente, o manãtodo padrãode teste em todo o mundo éo coagulograma, que mede a atividade dos fatores de coagulação, mas não a quantidade de trombinaâ€, diz Farias. “Apesar do manãtodo ser utilizado hámais de 50 anos, ele identifica apenas 5% da capacidade de coagulação do paciente, superestimando os riscos de sangramento e levando a um maior número de transfusaµes.â€
Além do coagulograma, foram realizados testes com um equipamento chamado Trombograma Calibrado Automaticamente (CAT, na sigla em inglês), que mede a quantidade total de trombina gerada. “O CAT permite medir a real capacidade de coagulação, uma vez que avalia o seu principal para¢metro, onívelde trombina. Por meio de exames de sangue, a pesquisa verificou que, antes da transfusão, 96% dos pacientes tinham coagulação normalâ€, destaca o professor. “Depois da transfusão, apenas 1,9% melhoraram sua capacidade de coagulação, não justificando o uso rotineiro do tratamento porque o benefacio émuito pequeno.â€
Segundo Farias, o teste com o CAT ainda éexperimental e precisa ser validado para uso clanico. “O estudo demonstrou que os pacientes possuem mecanismos compensata³rios que permitem manter a capacidade de coagulação mesmo nas fases mais avana§adas da cirrose, inclusive quando o teste convencional, que émenos preciso, exibe resultados alteradosâ€, afirma. “No futuro, o novo manãtodo podera¡ ajudar a mudar políticas públicas de saúde, direcionando transfusaµes de sangue para casos efetivamente necessa¡rios, representando uma grande economia de recursos nos hospitais.â€
A pesquisa édescrita na tese de doutorado de Amanda Bruder Rassi, defendida no Programa de Pa³s-graduação em Ciências Manãdicas (Hematologia) da FMUSP. O trabalho foi orientado pelo professor Alberto Farias e teve como co-orientador o professor Elbio Antonio d’Amico, do Servia§o de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular. O estudo teve financiamento da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp) e as conclusaµes também são apresentadas em artigo da edição de janeiro de 2020 do Journal of Hepatology, da Associação Europeia para o Estudo do Fagado, principal peria³dico da área. A tese também foi premiada no Congresso da Associação Americana para o Estudo do Fagado, em Boston (Estados Unidos) e no 8º Simpa³sio Internacional de Coagulação e Doena§as Hepa¡ticas, realizado na Universidade de Groningen (Holanda).