Saúde

Zika trata ca£es com câncer no cérebro
Estudo, inanãdito no Brasil, avaliou a segurança e eficácia do va­rus zika em combater tumores no sistema nervoso central
Por Fabiana Mariz - 13/03/2020

     
Pesquisa realizada pelo Centro de Estudo sobre o Genoma Humano e Canãlulas-Tronco (CEGH-CEL) da USP mostrou que o va­rus zika écapaz de combater tumores avana§ados no sistema nervoso central. O estudo foi feito com ca£es e os resultados publicados na última tera§a-feira, dia 10 de mara§o, na revista cienta­fica Molecular Therapy.

 Foto: Divulgação / Instituto de Biociências-USP
Borda tumoral infectada com zika (vermelho) 

Traªs animais portadores de tumores esponta¢neos receberam injeções virais e tiveram melhora significativa dos sintomas neurola³gicos, além da redução dos tumores e o aumento da sobrevida. “Se o tumor estãogrande, ele pressiona o cérebro e causa prejua­zos ao animal, como a perda dos movimentos nas pernas e incapacidade de se alimentar sozinho”, explica Carolini Kaid, pesquisadora do CEGH-CEL e primeira autora do estudo. “Quando o tumor regrediu, diminuiu também a pressão intracraniana, e os cachorros voltaram a exercer atividades corriqueiras.”

Os ca£es Pirata, Matheus e Nina eram pacientes da médica veterina¡ria Raquel Azevedo dos Santos Madi, do Hospital Veterina¡rio da Granja Viana, e foram diagnosticados por meio de exames de ressonância magnanãtica. Durante o tratamento, eles ficaram internados e, periodicamente, eram submetidos a exames de imagem, urina, sangue e saliva. O objetivo era medir o tamanho dos tumores e analisar a quantidade de va­rus circulantes no organismo.

“Estamos animada­ssimos com os resultados”, comemora Mayana Zatz, coordenadora do CEGH-CEL. “Os ca£es tem doenças muito semelhantes aos seres humanos”, explica.

Quando os cientistas iniciaram os estudos com o zika, eles descobriram que o va­rus tem um tropismo para células cerebrais de bebaªs em gestação, as progenitoras neurais, que mais tarde va£o se transformar em neura´nios. Tropismo éa propensão que um va­rus tem de infectar determinado tipo de canãlula ou tecido. “Mas o que isso tem a ver com tumores?”, indaga Mayana. “Existem tumores cerebrais que são ricos em células progenitoras. Foi daa­ que surgiu a ideia de testar o va­rus zika em tumores.”neles”.

Um estudo anterior com camundongos, também liderado pelo CEGH-CEL, já havia comprovado a eficácia oncola­tica do zika, quer dizer, a capacidade que o va­rus tem de infectar uma canãlula tumoral e leva¡-la a  morte. Os pesquisadores injetaram tumores cerebrais humanos osmeduloblastoma e tumor teratoide rabdoide ata­pico (TTRA) osem camundongos “nude”. Esses animais possuem o sistema imunológico deficiente e geralmente morrem após duas semanas. “Quando injetamos o va­rus, os tumores regrediram e 1/3 deles desapareceram”, relata Mayana. A pesquisa foi capa da revista Cancer Research.

Depois de conclua­da a pesquisa, Raquel procurou o grupo da Mayana e relatou ter três pacientes com câncer em esta¡gio avana§ado. Carolini, decidiu, então, iniciar um ensaio veterina¡rio com esses animais. “A ideia inicial era saber se era seguro fazer um tratamento viral nos ca£es”, explica Carolini.  Pirata, um pitbull de 13 anos e 26 quilos (kg), foi o primeiro a receber uma dose da injeção intratecal na altura do pescoa§o. O va­rus foi inserido no la­quido cefalorraquidiano, também conhecido como la­quor.

De vila£o a aliado

Antes do tratamento, o animal estava bastante debilitado. “Ele chegou aténospraticamente em coma”, relata Raquel. “Dias depois de iniciado o tratamento, ele voltou a andar com ajuda, a comer e a beber a¡gua”. Pirata não apresentou nenhum sintoma ta­pico de uma infecção generalizada, como diarreia e febre, e permaneceu vivo por 14 dias. Os cientistas comprovaram, então, que o tratamento era seguro.

O segundo caso foi o do Matheus, um boxer de 9 anos e 32 kg, com hista³rico de convulsaµes. Ele recuperou a habilidade de pular, subir escadas, jogar bola e interagir com seus donos. O tumor regrediu em torno de 35%. Já Nina, uma dachshund com 12 anos e 6,4 kg, foi a terceira a participar do estudo. Ela era incapaz de reconhecer os donos e de comer e, após a terapia, a redução da massa tumoral foi de 38%. Nina permaneceu viva por 150 dias; Matheus, por 80 dias.

Diagnóstico comprometido

Estudar cachorros édesafiador, segundo os cientistas. Quando o diagnóstico éfeito, geralmente a doença estãoem fase avana§ada. “A localização e o tamanho do tumor são avaliados por imagem de ressona¢ncia, mas não se sabe de antema£o qual éo tipo, porque não se faz bia³psia”, explica Mayana. “E tem mais um agravante: são raças diferentes, tumores diferentes, idades diferentes e donos diferentes.”

Por isso, os cientistas são conseguiram identificar qual era o câncer pela análise histola³gica dos tecidos cerebrais post-mortem. Matheus tinha um oligodendroglioma, e Nina, um meningioma intracranial. No pitbull não foram encontradas células do tumor, sugerindo que ele pode ter sido eliminado.

As análises também mostraram intensa necrose, principalmente na borda do tumor, além da presença de linfa³citos T, macra³fagos e mona³citos. “Os resultados mostraram que o va­rus tem um duplo efeito: além de destruir as células cancerosas, ele ativa o sistema imunológico”, relata Carolini.

“Quando vocêtem um ca¢ncer, o sistema imunológico não o reconhece como um invasor”, relata Mayana. “O va­rus da zika mostrou ter potencial de ativar o sistema imunológico para que ele reconhea§a o tumor como um inimigo a ser destrua­do.”

“Apesar de termos são três animais, já conseguimos ter uma ideia de como um adulto humano responderia a esse tratamento, que émuito semelhante a s imunoterapias.” Carolini diz, ainda, que pretende seguir com os estudos veterina¡rios.

Mais informações: e-mail carolini.kaid@usp.br, com Carolini Kaid Davila

 

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