Saúde

Precisamos repensar as formas de lidar com danãficit de atenção e hiperatividade
Novas descobertas sobre TDAH apontam para perfis variados da doença e quais sintomas os medicamentos conseguem tratar, lana§ando o desafio de se repensar atuais abordagens de diagnóstico e tratamento
Por Valéria Dias - 15/04/2020

Divulgação

O Transtorno do Danãficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) éuma condição neurobiológica de influaªncias genanãticas e ambientais, que pode se instalar no ini­cio do desenvolvimento (período dentro do aºtero). Ele écaracterizado por um comportamento que vai ao extremo da desatenção, da inquietude e da impulsividade osnumnívelque não se esperaria para fases mais avana§adas do desenvolvimento da criana§a. O transtorno pode acompanhar a pessoa durante a vida adulta. Uma revisão ampla de artigos sobre o TDAH destaca as descobertas mais recentes dos cientistas e aponta para a necessidade de novas abordagens diagnósticas e terapaªuticas. Entre os achados, destacam-se os diferentes perfis da doena§a; a questãogenanãtica, que predispaµe a outros problemas psiquia¡tricos; e a eficácia das medicações para sintomas específicos.

A revisão foi realizada pelos pesquisadores Guilherme V. Polanczyk, professor de Psiquiatria da Infa¢ncia e Adolescaªncia do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP); pelo psiquiatra Jonathan Posner, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos; e pelo psica³logo Edmund Sonuga-Barke, do King’s College, no Reino Unido. O trabalho foi feito a pedido da Revista Cienta­fica The Lancet. O artigo pode ser acessado neste link.

O TDAH atinge 5,3% de criana§as e adolescentes e 2,5% de adultos, em todo o mundo. A ocorraªncia do transtorno aumenta a taxa de mortes, as dificuldades escolares e o abuso de drogas, além de piorar a colocação no mercado de trabalho.

“Ainda assim éuma condição muito pouco tratada e acabamos perdendo uma oportunidade, porque éalgo que comea§a muito cedo, muito antes desses problemas acontecerem, e podera­amos tratar isso”, destaca Polanczyk ao Jornal da USP.


O tratamento atual mais eficaz para adultos e criana§as com TDAH são as medicações estimulantes. Sintomas de desatenção e hiperatividade respondem mais a s medicações, mas uma pessoa com o transtorno frequentemente apresenta uma sanãrie de outros problemas associados, que necessitam de intervenções, como psicoeducação, psicoterapia, etc.

As taxas de tratamento, poranãm, são muito baixas. Empaíses desenvolvidos, va£o de 40% a 60%. No Brasil, um estudo do grupo de Polanczyk  realizado em Sa£o Paulo e em Porto Alegre mostrou que 80% das criana§as com transtornos mentais (ansiedade, fobias, esquizofrenia, TDAH, etc.) dessas cidades não recebem tratamento.

Atualmente, o diagnóstico do TDAH éfeito a partir de uma classificação da Associação Americana de Psiquiatria, usada em todo o mundo. Sa£o 18 sintomas, sendo nove de desatenção e outros nove de hiperatividade e impulsividade. Para ter o diagnóstico fechado, precisam ser identificados, na criana§a, no ma­nimo seis sintomas de desatenção e/ou de hiperatividade e impulsividade. Na idade adulta são, pelo menos, cinco sintomas de desatenção e/ou cinco de hiperatividade e impulsividade.

Especialistas com bom treinamento conseguem identificar o transtorno em criana§as a partir dos 4 anos. Os sintomas incluem desatenção, hiperatividade e impulsividade. A criana§a se caracteriza por aquele comportamento, numnívelque não se espera mais dela, naquela fase do desenvolvimento.

Algumas descobertas

Polanczyk conta ao Jornal da USP que um dos  achados envolve as variantes genanãticas associadas ao TDAH. Um dos estudos identificou, pela primeira vez, ao menos 12 regiaµes do nosso material genanãtico que aumentam o risco para desenvolvimento do transtorno. Segundo o professor, esses genes estãorelacionados aos processos normais de desenvolvimento do cérebro. Isso vai muito ao encontro de vários outros estudos que sugerem que o TDAH éum desvio do desenvolvimento cerebral, uma maturação atrasada do cérebro. Para o pesquisador, o achado émuito importante, pois traz a perspectiva de usar esses genes para obter tratamentos mais direcionados.

Outra descoberta mostra que os genes associados ao transtorno ose que elevam o risco para o desenvolvimento de TDAH ostambém aumentam o risco para outros transtornos, como esquizofrenia, autismo e depressão. Segundo o professor, esse achado vai ao encontro dos estudos realizados em fama­lias. Quando uma ma£e édiagnosticada com depressão ou um pai édiagnosticado com ansiedade, os filhos tem um aumento do risco de desenvolver todos os outros transtornos mentais ose não apenas depressão ou ansiedade. “Esse éum dado consistente que, possivelmente, tem implicações em como categorizamos os transtornos mentais.”

Um outro achado diz respeito a  falsa impressão de que, nas últimas décadas, houve um aumento da incidaªncia de TDAH. Na verdade, a revisão mostrou um aumentou nas taxas de diagnóstico do transtorno. Entretanto, as taxas de tratamento, em todo o mundo, ainda são muito baixas.

A revisão mostrou ainda a eficácia dos tratamentos medicamentosos, enquanto que os alternativos, não-farmacola³gicos, como suplementação de a´mega 3 e terapia cognitivo-comportamental, entre outros, se mostraram bastante fra¡geis. Contudo, o professor lamenta que não existam estudos que evidenciem os benefa­cios de longo prazo resultantes do tratamento das pessoas com TDAH.

A revisão de artigos também mostrou que não háum padrãocognitivo aºnico para pessoas com o transtorno, sendo esse perfil bastante distinto e diverso. Em algumas, o problema maior éa lentida£o, demoram muito para fazer as coisas, não tem energia, parecem desanimadas. Já outras querem emoção, adrenalina, e se expaµem muito a riscos.

Desafios

Segundo o professor, cada vez mais os cientistas entendem que o TDAH éo extremo da distribuição, dentro de uma população, do traa§o “desatenção”, “agitação”. “O que quer dizer isso? Que todos nostemos um pouco de desatenção, de ansiedade, todos ficamos tristes, e isso se distribui de uma forma dimensional. O TDAH parece ser aquele grupo de pessoas que tem mais dessa desatenção ou dessa agitação. A diferença estãona intensidade”, explica ao Jornal da USP. Ele conta que os mesmos genes associados ao TDAH também estãoassociados a essa desatenção e a essa agitação nas criana§as sem diagnóstico do transtorno.

Todas essas descobertas trazem demandas desafiadoras aos profissionais da área. Polanczyk ressalta que não se pode perder de vista que, atualmente, existe um diagnóstico correto, padronizado e bem validado. No entanto, para o psiquiatra, serápreciso comea§ar a levar em conta a dimensionalidade do TDAH, entendendo que hápessoas que, num determinado momento, não preenchem todo os critanãrios de diagnóstico, mas, em outros, podem apresentar problemas de comportamento ou sintomas.

Para Polanczyk, serápreciso partir para intervenções que levem em conta as caracterí­sticas
individuais, as funções cognitivas, os genes, e que não dependam tanto da categorização
diagnóstica e, assim, atuar de uma forma mais especa­fica. Genes osFoto: Pixabay

“Para um fim cla­nico, para dizer se deve ou não tratar, nosestabelecemos essas caracteri­sticas diagnósticas, tem ou não tem, mas isso não representa o que acontece do ponto de vista biola³gico”, aponta. E essa dimensionalidade do TDAH vale para todos os outros transtornos, como autismo e ansiedade.

Segundo Polanczyk, ao longo do tempo, na interação com o ambiente, os sintomas do TDAH podem mudar. Uma pessoa que apresente sintomas em menor intensidade pode ter esse quadro alterado em um determinado período da vida: a formatura, a saa­da da casa dos pais, trabalho, dinheiro, estresse e outras demandas do cotidiano. Diante disso, eventualmente, os sintomas podem aumentar muito.

“Pode ser que aquele indiva­duo ultrapasse esse limiar porque estãoem um contexto que favorece o surgimento desses sintomas. E isso éimportante porque hoje a gente diz “seu filho não tem TDAH, fique tranquilo, vai embora”. Mas pode ser que os sintomas surjam depois”, alerta o psiquiatra. E caso apresente apenas quatro ou cinco sintomas, não tera¡ o diagnóstico fechado, e não recebera¡ o tratamento para TDAH. Poranãm, esses quatro ou cinco sintomas podem estar atrapalhando muito a vida da pessoa, gerando estresse, dificultando estudos.

O psiquiatra ainda sugere que épreciso avana§ar mais e deixar para trás a ideia de um tratamento comum a todos. Como exemplo, ele cita o câncer de mama. Ha¡ vários tipos de tratamento, de acordo com o tipo de tumor. Para Polanczyk, serápreciso pensar na dimensionalidade do TDAH para cada pessoa e partir para intervenções que levem em conta as caracteri­sticas individuais, as funções cognitivas, os genes, e que não dependam tanto da categorização diagnóstica e, assim, atuar de uma forma mais especa­fica.

"E como traduzir para a prática cla­nica esse achado de que não é“tenho ou não tenho TDAH” mas sim “tenho uma dimensão do transtorno”? Para o professor, a exemplo da cardiologia, se uma pessoa tem um colesterol lima­trofe, a proposta pode ser fazer uma dieta, poranãm, se o colesterol éum pouco mais alto, o médico indica alguma outra coisa além . “Talvez, na psiquiatria, seja preciso chegar nesse ponto, de entender onívele a intensidade e tratar com base nisso, ter intervenções mais direcionadas para esses na­veis e intensidade de sintomas.”

 

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