Saúde

Acidente vascular cerebral, casos de ataque carda­aco despencam durante pandemia
Estudo sugere que o decla­nio pode ter resultado de urgências para adiar atendimento não emergencial, com possa­veis resultados prejudiciais ou mortais
Por Alvin Powell - 23/05/2020

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Os funciona¡rios do hospital, antecipando o aumento de casos COVID-19, pediram adiamento de cuidados de rotina e não emergenciais, para que médicos, enfermeiros e outras pessoas pudessem se concentrar em pacientes pandaªmicos. Mas um novo estudo do Beth Israel Deaconess Medical Center sugere que muitos, para evitar sobrecarregar os recursos médicos ou temer infecções no hospital, podem ter adiado atendimento de emergaªncia para questões como ataques carda­acos e derrames, a um custo de vida. Dhruv Kazi, diretor da Unidade de Cuidados Cra­ticos Carda­acos de Beth Israel e membro do corpo docente da Harvard Medical School, e diretor associado do Smith Center for Outcomes Research em Cardiologia do hospital, conversou sobre as descobertas do estudo de uma queda de 33% nos pacientes com ataque carda­aco. e queda de 58% em pacientes com AVC no hospital durante mara§o e abril.

Perguntas e Respostas
Dhruv Kazi


O que vocêencontrou quando examinou hospitalizações por condições não-COVID em Beth Israel?

No ini­cio da pandemia, ficou claro para aqueles que trabalham na unidade de terapia intensiva e mais amplamente em cardiologia que o número de pacientes que procuram atendimento para emergaªncias como ataques carda­acos ou derrames havia caa­do vertiginosamente. Os pacientes simplesmente não estavam aparecendo.

E, como conversamos com colegas de todo opaís, percebemos que esse era um fena´meno nacional e, de fato, um fena´meno internacional. Os pacientes não procuram atendimento para condições que normalmente consideramos emergentes e potencialmente fatais. Por isso, comparamos as taxas de pacientes com ataques carda­acos e derrames durante o curso da pandemia com um período equivalente no ini­cio do ano, antes do ini­cio da pandemia.

Usamos os dados do ano passado para ajustar a variação habitual de maªs para maªs que vocêesperaria nesse período. Espera¡vamos encontrar um decla­nio, mas ainda assim ficamos surpresos com a magnitude: uma redução de 33% nas hospitalizações por ataques carda­acos e uma redução de 58% nos derrames. A redução no coração ataca meus co-investigadores e eu vimos em primeira ma£o como cardiologistas, mas os números de derrame foram bastante impressionantes.

"Amedida que nos abrimos, precisamos fazer um trabalho melhor convencendo os pacientes de que os hospitais são seguros para os cuidados de rotina".


a‰ possí­vel que as pessoas estejam mais calmas porque estãoem casa, menos estressadas, para que menos dessas coisas estejam acontecendo?

Os dados podem apenas nos dizer o que realmente estãoacontecendo, e não por que esses números caa­ram. Existe a possibilidade de estarmos em casa e, hipoteticamente, estarmos comendo melhor, malhando com mais frequência, sentindo-nos menos estressados ​​ao tentar vencer o tra¡fego de Boston. Tambanãm sabemos que, em certa medida, a qualidade do ar melhorou. Mas nenhum desses fatores, individual ou coletivamente, pode explicar a magnitude desse decla­nio. De fato, dados recentes do censo sugerem que as preocupações com a pandemia e a incerteza econa´mica resultante estãoaumentando os na­veis de ansiedade e estresse na população.

O decla­nio nas hospitalizações por ataque carda­aco foi observado em todo opaís e no mundo, incluindo lugares como o norte da Califa³rnia, onde a pandemia do COVID-19 não foi tão forte quanto em Boston e na Ita¡lia, onde eles tinham saúde pública. cata¡strofe. Portanto, fica claro que a mensagem de que essa éuma doença altamente infecciosa e que as pessoas precisam se abrigar no local, combinada com imagens de hospitais sobrecarregados - mesmo distantes -, incentivou os pacientes a ficar em casa. Acho que o efeito que vimos nos ataques carda­acos e derrames éprincipalmente causado pelo medo de conta¡gio. E esse medo tem implicações importantes na saúde pública.

Isso significa que nós, como sistemas de saúde, temos que fazer um trabalho melhor convencendo os pacientes de que os hospitais são seguros para emergaªncias. E, ao nos abrirmos, precisamos fazer um trabalho melhor convencendo os pacientes de que os hospitais são seguros para os cuidados de rotina. Porque, se esse medo persistir, as pessoas continuara£o adiando cuidados de rotina e atéurgentes.

Falando especificamente sobre Massachusetts, as diretrizes para atendimento não emergencial estãose soltando?

Bom ponto. a‰ importante lembrar que, mesmo no auge do bloqueio, não havia restrições quanto ao atendimento de emergaªncia. a‰ por isso que ataques carda­acos e derrames não deveriam, em um mundo ideal, ter visto nenhuma queda. No que diz respeito aos cuidados não emergenciais, o estado estãocomea§ando a se abrir lentamente, mas existem requisitos bastante rigorosos em termos de manter um distanciamento social adequado e reduzir a aglomeração nas salas de espera. Os pacientes devem ter certeza de que hospitais e cla­nicas desenvolveram sistemas para proteger sua saúde enquanto estãono hospital para atendimento.

Qua£o perigosos foram os ERs para as pessoas que apresentam sem COVID? Vocaª teve muitos casos de pessoas que vieram para outras condições que acabaram recebendo COVID no hospital?

Na£o, todos os nossos hospitais em Boston - e o mesmo se aplica anívelnacional - tem uma vasta experiência no controle de infecções em ambientes de emergaªncia. Muito rapidamente, por exemplo, dividimos nossa sala de emergaªncia em uma seção que cuidaria de pessoas com queixas respirata³rias que poderiam ser COVID-19 e uma seção totalmente separada que tratava de indivíduos que claramente não tinham queixas semelhantes a COVID-19. Na seção COVID-19 da sala de emergaªncia, os pacientes foram mascarados imediatamente e os médicos tomaram amplas precauções para garantir que não houvesse risco de transmissão de pacientes para clínicos ou entre pacientes. Isso aconteceu antes mesmo que o primeiro grupo de pacientes comea§asse a aparecer em nossas salas de emergaªncia. Portanto, o risco era muito, muito baixo desde o ina­cio.

"Sabemos dos dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doena§as que Massachusetts sofreu aproximadamente 5.000 mortes em excesso desde o ini­cio da pandemia."


Vocaª sabe se houve algum caso de infecção na sala de emergaªncia?

Nãoconhea§o nenhuma transmissão na sala de emergaªncia, e esse éexatamente o tipo de pergunta que os pacientes precisam responder. Acho que fizemos um trabalho realmente eficaz, comunicando a importa¢ncia de ficar em casa e não estou subestimando o que conseguimos. Sejamos claros sobre isso - ficar em casa e "achatar a curva" em Boston salvou vidas. Temos o luxo em Boston de contar com vários hospitais de classe mundial, e cada um dos grandes hospitais mais que dobrou sua capacidade de atendimento cra­tico. Em retrospecto, o ini­cio do surto no ini­cio de mara§o pode ter nos levado a nos preparar com bastante antecedaªncia, mas, mesmo com a curva achatada, a maioria dos hospitais chegou perto de estar cheia durante o pico da pandemia. Portanto, não interpreto nossas descobertas como significando que não devera­amos ter trancado ou não devera­amos ter nos protegido no lugar. Longe disso. Mesmo nossos hospitais com toda a sua capacidade dispona­vel ficariam completamente sobrecarregados se tivanãssemos o mesmo número de Nova York. Mas acho que podera­amos ter feito um trabalho melhor nos comunicando sobre emergaªncias. E esse éum trabalho que não estãoterminado.

Sabemos se houve excesso de mortes atribua­das a condições não relacionadas ao COVID e que não ocorreram nos hospitais?

Com base nos dados de ataque carda­aco e acidente vascular cerebral que acabamos de discutir, émuito claro que existem pacientes que estãosofrendo ataques carda­acos e derrames e decidindo ficar de fora. Eles estãose apresentando ao hospital tarde - e não são elega­veis para algumas das terapias muito eficazes para condições cardiovasculares que devem ser administradas desde o ini­cio - ou podem ter morrido em casa. Sabemos por dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doena§as que Massachusetts sofreu aproximadamente 5.000 mortes em excesso desde o ini­cio da pandemia. Muitos destes são devidos a  própria pandemia e alguns podem ser casos não diagnosticados de COVID-19, mas meu palpite éque muitas dessas mortes são de doenças cardiovasculares não diagnosticadas, como ataques carda­acos e derrames, onde as pessoas decidiram omitir os sintomas e não deu certo.

Uma das razões pelas quais nos tornamos uma sociedade mais sauda¡vel éque as pessoas receberam a mensagem: “Nãoespere; entre; ser rastreado; fazer check-out. " Qua£o valiosa tem sido essa mensagem de “pegar cedo” e éuma va­tima potencialmente não reconhecida da COVID, do ponto de vista de mensagens de saúde pública?

Absolutamente. a‰ exatamente o que estãoacontecendo aqui. Nas últimas duas décadas, organizações como a American Heart Association fizeram um trabalho realmente bom de mensagens durante a “hora de ouro”, a necessidade de responder cedo, a importa¢ncia de - principalmente entre as mulheres - reconhecer que alguns sintomas podem ser ata­picos. Em caso de daºvida, ligue para o 911, faz check-out porque, em cardiologia, dizemos: "O tempo émaºsculo". Quanto mais vocêesperar durante um ataque carda­aco, mais maºsculos do coração vocêperde. Os neurologistas dizem: "O tempo écérebro". Quanto mais vocêesperar durante um derrame, mais tecido cerebral vocêperde. Comunicamos ao paºblico que o tempo éessencial para essas condições e teremos que transmitir essa mensagem novamente. Nossos dados sugerem que demos um passo pequeno, mas real, para trás no tempo do COVID.

Além de doenças carda­acas e derrames, a tendaªncia de evitar visitas ao hospital teve outros efeitos na saúde pública de pacientes não-COVID?

Falando sobre essas consequaªncias não intencionais de nossa resposta a  pandemia, a segunda parte do nosso estudo examina os diagnósticos de ca¢ncer. O câncer de mama édiagnosticado com mais frequência por uma mamografia de rastreamento, e os ca¢nceres de sangue são diagnosticados quando uma paciente com sintomas menores vai ao médico da atenção prima¡ria e faz um exame de sangue de rotina anormal. A partir de mara§o, todos os testes de triagem e a maioria das consultas de cuidados prima¡rios foram adiados; portanto, se vocênão tinha algo urgente, basta reagendar sua visita de cuidados prima¡rios para mais tarde. Testes de triagem como mamografias e colonoscopias foram adiados.

Mais uma vez, a intenção era boa. Nãoquera­amos que indivíduos sauda¡veis ​​entrassem no sistema de saúde. Quera­amos preservar nosso equipamento de proteção para o aumento de pacientes com COVID-19 que preva­amos que chegassem ao pico, e funcionou. Uma coisa éadiar uma mamografia por duas semanas, mas quando comea§amos a falar sobre o adiamento de testes de triagem e visitas de cuidados prima¡rios por um período mais longo para uma população inteira, isso leva muito tempo para os cuidados e um alto potencial de danos.

Vimos que, a partir de 1º de abril, os encaminhamentos para câncer de mama e câncer de sangue e hematola³gico caa­ram mais de 60%. Esses achados são importantes porque são um verdadeiro marcador de interrupção dos cuidados de saúde devido a  atenção prima¡ria e triagem adiadas. E remonta ao meu argumento original de que, como sistema de saúde, teremos de convencer os pacientes de que (a) o hospital éum lugar seguro para emergaªncias. E (b), quando comea§armos a nos abrir novamente, seráimportante não adiar os cuidados de rotina, porque se trata de cuidados baseados em evidaªncias, experimentados e testados. Sabemos que funciona e salva vidas.

 

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