Saúde

Pesquisadores desvendam mecanismo que torna COVID-19 mais grave em diabanãticos
Os pesquisadores observaram ainda no pulma£o de pacientes graves com COVID-19 uma grande quantidade de mona³citos e macra³fagos, duas células de defesa e de controle da homeostase do organismo.
Por André Julião - 26/05/2020

Paulo Cavalheri
 
Um grupo brasileiro de pesquisadores desvendou uma das causas da maior gravidade da COVID-19 em pacientes diabanãticos. Como mostraram os experimentos feitos em laboratório, o teor mais alto de glicose no sangue écaptado por um tipo de canãlula de defesa conhecido como mona³cito e serve como uma fonte de energia extra, que permite ao novo coronava­rus se replicar mais do que em um organismo sauda¡vel. Em resposta a  crescente carga viral, os mona³citos passam a liberar uma grande quantidade de citocinas [protea­nas com ação inflamata³ria], que causam uma sanãrie de efeitos, como a morte de células pulmonares.

O estudo, apoiado  pela FAPESP, éliderado por Pedro Moraes-Vieira, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), e por pesquisadores que integram a força-tarefa contra a COVID-19 da universidade, coordenada por Marcelo Mori, também professor do IB-Unicamp e coautor do trabalho.

O artigo encontra-se em revisão na Cell Metabolism, mas já estãodispona­vel em versão preprint, ainda não revisada por pares.

“O trabalho mostra uma relação causal entre na­veis aumentados de glicose com o que tem sido visto na cla­nica: maior gravidade da COVID-19 em pacientes com diabetes”, diz Moraes-Vieira, pesquisador do Experimental Medicine Research Cluster (EMRC) e do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP, com sede na Unicamp.

Por meio de ferramentas de bioinforma¡tica, os pesquisadores analisaram inicialmente dados paºblicos de células pulmonares de pacientes com quadros manãdios e severos de COVID-19. Foi observada uma superexpressão de genes envolvidos na chamada via de sinalização de interferon alfa e beta, que estãoligada a  resposta antiviral.

Os pesquisadores observaram ainda no pulma£o de pacientes graves com COVID-19 uma grande quantidade de mona³citos e macra³fagos, duas células de defesa e de controle da homeostase do organismo.

Mona³citos e macra³fagos eram as células mais abundantes nas amostras e as análises mostraram que a chamada via glicola­tica, que metaboliza a glicose, estava bastante aumentada.

As análises por bioinforma¡tica foram realizadas pelos pesquisadores Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacaªuticas da Universidade de Sa£o Paulo (FCF-USP), e Robson Carvalho, professor do Instituto de Biociências de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (IBB-Unesp).

Glicose e va­rus

O grupo da Unicamp realizou, então, uma sanãrie de ensaios com mona³citos infectados com o novo coronava­rus, em que eles eram cultivados em diferentes concentrações de glicose. Os experimentos foram feitos no Laborata³rio de Estudos de Va­rus Emergentes (Leve), que temnível3 de biossegurança osum dos mais altos –, e écoordenados por JoséLuiz Proena§a Ma³dena, professor do IB-Unicamp apoiado pela FAPESP e coautor do trabalho.

“Quanto maior a concentração de glicose no mona³cito, mais o va­rus se replicava e mais as células de defesa produziam moléculas como as interleucinas 6 [IL-6] e 1 beta [IL-1β)] e o fator de necrose tumoral alfa, que estãoassociadas ao fena´meno conhecido como tempestade de citocinas, em que não são o pulma£o, como todo o organismo, éexposto a essa resposta imunola³gica descontrolada, desencadeando várias alterações sistemicas observadas em pacientes graves e que pode levar a  morte”, diz Moraes-Vieira.

Os pesquisadores usaram então, nas células infectadas, uma droga conhecida como 2-DG, utilizada para inibir o fluxo de glicose. Eles observaram que o tratamento bloqueou completamente a replicação do va­rus, assim como o aumento da expressão das citocinas observadas anteriormente e da protea­na ACE-2, aquela pela qual o coronava­rus invade as células humanas.

Além disso, usaram uma droga que estãosendo testada em pacientes com alguns tipos de ca¢ncer. Assim como alguns ana¡logos, a 3-PO inibe a ação de um gene envolvido no aumento do fluxo de glicose nas células. O resultado da sua aplicação foi o mesmo da 2-DG: menos replicação viral e menos expressão de citocinas inflamata³rias.

Os resultados que indicaram maior atividade da via glicola­tica frente a  infecção foram obtidos por meio de análises protea´micas dos mona³citos infectados, realizadas em colaboração com Daniel Martins-de-Souza, professor do IB-Unicamp apoiado pela FAPESP.

Por fim, as análises mostraram que o mecanismo era mediado pelo fator induzido por hipa³xia 1 alfa. Como éestudada em diversas doena§as, ésabido que essa via émantida esta¡vel, em parte pela a presença de espanãcies reativas de oxigaªnio na mitoca´ndria, a usina de energia das células.

Os pesquisadores usaram então antioxidantes nas células infectadas e viram que a hipa³xia 1 alfa  diminua­a a sua atividade e, assim, deixava de influenciar o metabolismo da glicose. Como consequaªncia, fazia com que o va­rus parasse de se replicar nos mona³citos, as células de defesa infectadas, que não mais produziam citocinas ta³xicas para o organismo.

“Quando intervimos no mona³cito com antioxidantes ou com drogas que inibem o metabolismo da glicose, nosrevertemos a replicação do va­rus e também a disfunção em outras células de defesa, os linfa³citos T. Com isso, evitamos ainda morte das células pulmonares”, diz Moraes-Vieira.

Os estudos com linfa³citos T e a análise da expressão de hipa³xia 1 alfa em pacientes foram realizados em colaboração com Alessandro Farias, professor do IB-Unicamp e coautor do trabalho.

Como as drogas usadas nos experimentos com células estãoatualmente em testes clínicos para alguns tipos de ca¢ncer, poderiam futuramente ser testadas em pacientes com COVID-19.

O trabalho tem como primeiros autores Ana Campos Codo, bolsista de mestrado da FAPESP; Gustavo Gastão Davanzo, que tem bolsa de doutorado da FAPESP e Lauar de Brito Monteiro, também bolsista de doutorado, todos no IB-Unicamp sob orientação de Moraes-Vieira.

“Esse trabalho são foi possí­vel devido a s colaborações, ao empenho dos alunos de pós-graduação, que tem trabalhado noite e dia nesse projeto, e ao financiamento rápido do FAEPEX [Fundo de Apoio ao Ensino, a  Pesquisa e a  Extensão] da Unicamp e da FAPESP”, diz Moraes-Vieira.

 

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