Saúde

Estudo identifica fatores que contribua­ram para disseminação inicial da Covid-19
Apa³s analisar dados de 126países, entre eles o Brasil, pesquisadores das universidades de Campinas (Unicamp) e de Barcelona identificaram um conjunto de fatores que teriam favorecido o espalhamento rápido do va­rus na fase inicial da epidemia,
Por Karina Toledo - 26/06/2020


O ponto de partida foi o dia em que cadapaís registrou o 30º caso de COVID-19 e análise dos dias seguintes

Quando deixou a prova­ncia chinesa de Hubei rumo a  Europa e aos vizinhos asia¡ticos osentre dezembro de 2019 e janeiro de 2020 oso coronava­rus SARS-CoV-2 encontrou em algumas regiaµes do globo condições particularmente favoráveis a  sua disseminação.

Apa³s analisar dados de 126países, entre eles o Brasil, pesquisadores das universidades de Campinas (Unicamp) e de Barcelona identificaram um conjunto de fatores que teriam favorecido o espalhamento rápido do va­rus na fase inicial da epidemia, ou seja, antes que fossem adotadas políticas públicas para conter o conta¡gio.

Segundo o estudo, apoiado pela FAPESP, entre os fatores que contribua­ram para a maior taxa inicial de crescimento da COVID-19 estão: temperatura baixa e, consequentemente, população menos exposta aos raios ultravioleta do sol e com menornívelde vitamina D no sangue; maior proporção de idosos e, portanto, maior expectativa de vida; maior número de turistas internacionais nos primeiros dias da epidemia; ini­cio precoce do surto (paa­ses onde a doença chegou primeiro demoraram mais para tomar medidas de prevenção); maior prevalaªncia de câncer de pulma£o, de câncer em geral e de DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica); maior proporção de homens obesos; maior taxa de urbanização, maior consumo de a¡lcool e tabaco; e hábitos de saudação que envolvem contato fa­sico, como beijo, abraa§o ou aperto de ma£o.

“Escolhemos como ponto de partida de nossa análise o dia em que cadapaís registrou o 30º caso de COVID-19 e analisamos os dias seguintes [entre 12 e 20 dias, dependendo dopaís]. O objetivo era entender o que ocorreu na fase em que a doença cresceu livremente, de forma quase exponencial”, explica a  Agência FAPESP Giorgio Torrieri, professor do Instituto de Fa­sica Gleb Wataghin (IFGW-Unicamp) e coautor do artigo divulgado na plataforma medRxiv, ainda sem revisão por pares.

Segundo o pesquisador, a proposta era aplicar análises estata­sticas comumente usadas na área de física osentre elas a regressão linear simples e o ca¡lculo do coeficiente de determinação ospara tentar entender o que ocorreu no ini­cio da pandemia. Os dados usados nas análises vieram de fontes diversas osboa parte de um reposita³rio paºblico conhecido como Our World in Data.

“A ideia era avaliar o seguinte: caso não fosse feito nada para conter a doena§a, com qual velocidade o va­rus se espalharia nos diferentespaíses ou nos diferentes grupos sociais? Fatores como temperatura, densidade demogra¡fica, urbanização e condições de saúde da população influenciam a velocidade do conta¡gio?

Fontes confia¡veis

Alguns estudos sugerem que a vacina BCG, contra tuberculose, pode ter algum efeito protetor no caso da COVID-19. As análises feitas pelos pesquisadores da Unicamp e da Universidade de Barcelona indicam a existaªncia de uma correlação fraca entre as duas varia¡veis (taxa de imunização contra tuberculose e taxa de conta¡gio pelo SARS-CoV-2). Segundo Torrieri, poranãm, épossí­vel que o resultado tenha sido prejudicado pela falta de dados confia¡veis empaíses onde a vacinação não éobrigata³ria.

“Quando exclua­mos ospaíses sem dados de vacinação, a correlação fica fraca. Mas quando inclua­mos esses locais na análise e assumimos que tem uma taxa baixa de imunização, a correlação se torna mais forte”, conta o pesquisador.

Para alguns dos fatores analisados osentre eles a prevalaªncia de doenças como anemia, hepatite B (nas mulheres) e hipertensão osos pesquisadores identificaram uma correlação negativa. Ou seja, nospaíses com maior proporção de hipertensos, por exemplo, a taxa de conta¡gio inicial do SARS-CoV-2 foi menor.

“Podemos imaginar que nesses locais hámais doença cardiovascular e, portanto, menor expectativa de vida”, avalia Torrieri.

Entre os fatores analisados que não apresentaram correlação com o conta¡gio (nem positiva e nem negativa) estão: número de habitantes; prevalaªncia de asma; densidade populacional; cobertura vacinal para poliomielite, difteria, tanãtano, coqueluche e hepatite B; prevalaªncia de diabetes;nívelde poluição do ar; quantidade de feriados; e proporção de dias chuvosos. No caso do Produto Interno Bruto (PIB)  per capita, como explicou Torrieri, a correlação se mostrou positiva apenas em valores acima de 5 mil euros.

“O PIB estãorelacionado com a qualidade da infraestrutura pública. Quanto maior éo PIB per capita de umpaís, melhor éa infraestrutura de saúde e de moradia, por exemplo. Mas abaixo de 5 mil euros não fez diferença provavelmente porque a infraestrutura éde baixa qualidade”, avalia o pesquisador.

Como destacam os autores no texto, diversas varia¡veis analisadas estãocorrelacionadas entre si e, portanto, éprova¡vel que tenham uma interpretação comum e não éfa¡cil separa¡-las. “A estrutura de correlação ébastante rica e não trivial, e incentivamos os leitores interessados a estudarem as tabelas [do artigo] em detalhes”, afirmam.

Segundo os pesquisadores, algumas das correlações apontadas são "a³bvias", por exemplo, entre temperatura, radiação UV enívelde vitamina D. “Outras são acidentais, hista³ricas e sociola³gicas. Por exemplo, hábitos como consumo de a¡lcool e tabagismo estãocorrelacionados com varia¡veis climáticas. De forma semelhante, a correlação entre tabagismo e câncer de pulma£o émuito alta e, provavelmente, contribui para a correlação deste último [o ca¢ncer] com o clima. Razaµes hista³ricas também explicam a correlação entre clima e o PIB per capita”, dizem os pesquisadores.

Embora seja impossí­vel para ospaíses alterar algumas das varia¡veis estudadas, como o clima, a expectativa de vida e a proporção de idosos, por exemplo, sua influaªncia na disseminação da doença deve ser levada em conta na formulação de políticas públicas, ajudando a definir estratanãgias de testagem e de isolamento social, defendem.

Outras varia¡veis, segundo os autores, podem ser controladas pelos governos: testagem e isolamento de viajantes internacionais; restrição de voos para regiaµes mais afetadas pela pandemia; promoção de hábitos de distanciamento social e de campanhas visando reduzir o contato fa­sico enquanto o va­rus estiver se espalhando; e campanhas voltadas a estimular na população a suplementação de vitamina D, a redução do tabagismo e da obesidade.

“Enfatizamos ainda que algumas varia¡veis apontadas são aºteis para inspirar e apoiar a pesquisa na área médica, como a correlação do conta¡gio com câncer de pulma£o, obesidade, baixonívelde vitamina D e diferentes tipos sangua­neos e diabetes tipo 1. Isso definitivamente merece estudo mais aprofundado, com dados de pacientes”, concluem os cientistas.

 

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