Saúde

Imagens de anticorpos a  medida que neutralizam o va­rus COVID-19
Amedida que a pandemia do COVID-19 se espalhava por todo o mundo na primeira metade de 2020, pesquisadores de todo o mundo trabalhavam 24 horas por dia para entendaª-la e combataª-la.
Por Lori Dajose - 29/07/2020


Cortesia

O estudioso de pa³s-doutorado da Caltech, Christopher Barnes, éum desses pesquisadores. No laboratório de Pamela Bja¶rkman , a professora de Biologia e Engenharia Biola³gica de David Baltimore, Barnes geralmente estuda como o corpo humano produz células imunes e protea­nas especializadas chamadas anticorpos que podem combater as inaºmeras cepas diferentes do HIV. Nos últimos meses, poranãm, ele liderou a equipe de pesquisa COVID-19 do laboratório e reorientou as técnicas usadas para estudar o HIV no novo coronava­rus, coronava­rus 2 da sa­ndrome respirata³ria aguda grave (SARS-CoV-2).

Agora, Barnes e sua equipe capturaram as primeiras imagens de anticorpos purificadas do plasma sangua­neo de pessoas que se recuperaram do COVID-19, agarrando-se a uma protea­na essencial do va­rus SARS-CoV-2. Além disso, a visualização de um anticorpo exemplar interagindo com essa protea­na permitiu a  equipe identificar locais nasuperfÍcie do va­rus que são particularmente vulnera¡veis ​​a ataques do sistema imunológico. Um artigo descrevendo esta pesquisa serápublicado na revista Cell e agora estãodispona­vel online.

Um retrato detalhado de anticorpos e va­rus

O corpo humano pode produzir inúmeros tipos de anticorpos, protea­nas especializadas que tem como alvo e neutralizam va­rus ou outros patógenos. Da mesma maneira que um jogador de futebol pode usar inaºmeras ta¡ticas para se defender de um jogador adversa¡rio, um anticorpo pode tentar bloquear um va­rus de várias maneiras diferentes. Alguns, no entanto, são mais eficazes que outros. Quando um anticorpo efetivamente torna um va­rus incapaz de infectar células, ele échamado de "neutralizante".

Barnes e Bja¶rkman buscam variações de anticorpos que podem ser "amplamente neutralizantes". Em outras palavras, eles procuram anticorpos eficazes contra muitas variações de um tipo de va­rus - ou no caso do SARS-CoV-2, que não varia tanto quanto o HIV, anticorpos neutralizantes muito potentes.

A equipe trabalhou com colaboradores de longa data da Universidade Rockefeller, em Nova York, que tem sido um dos principais locais do surto de COVID-19 nos Estados Unidos. O laboratório de Michel Nussenzweig, liderado pelo pesquisador Davide Robbiani, coletou amostras de sangue de pessoas que haviam se recuperado do COVID-19. Apa³s o recebimento desses plasmas, Barnes e seus colegas procuraram isolar a mistura única de anticorpos nas amostras de cada pessoa para descobrir quais anticorpos eram melhores na luta contra o SARS-CoV-2.

Para entender onde o coronava­rus pode estar vulnera¡vel, éútil entender como éo va­rus e como ele inicia infecções. Cada va­rus SARS-CoV-2 individual possui grandes estruturas de protea­nas pontiagudas em suasuperfÍcie que lhe conferem uma aparaªncia de coroa, daa­ o nome "coronava­rus" ("corona" éa palavra latina para coroa). Um va­rus usa sua chamada protea­na spike (S) como um gancho para agarrar uma canãlula humana e iniciar sua invasão. Um anticorpo que pode bloquear a protea­na S seria, portanto, altamente eficaz na prevenção de infecção do va­rus pelas células.

Os anticorpos podem se ligar a muitas regiaµes diferentes, ou epa­topos, da protea­na S, levando a maior ou menor neutralização do va­rus. Como analogia, se vocêquiser impedir que uma cobra venenosa morda, vocêpode segura¡-la pela cauda, ​​o que ainda permitira¡ que a cobra o atinja, ou vocêpode agarra¡-la perto da cabea§a, reduzindo sua chance de ser mordida.

Para descobrir quais epa­topos eram os alvos predominantes nas reações de anticorpos, Barnes e sua equipe tiraram imagens detalhadas dos anticorpos dos pacientes purificados, enquanto eles interagiam com a protea­na SARS-CoV-2 S. Os pesquisadores descobriram que os anticorpos dos pacientes se ligavam a duas regiaµes distintas da protea­na S, incluindo uma regia£o, o chamado doma­nio de ligação ao receptor (RBD), que éfundamental para a capacidade da protea­na de se conectar a  canãlula hospedeira.

"Pelo que sabemos, éa primeira vez que uma equipe cria imagens de uma mistura de anticorpos purificados do sangue humano após uma infecção viral para visualizar os alvos desses anticorpos circulando no indiva­duo recuperado", diz Barnes.

Barnes então se concentrou em um tipo especa­fico de anticorpo que mostrava uma forte capacidade de neutralizar o va­rus. Primeiro, ele purificou um complexo composto pela protea­na S viral e anticorpo unidos e, em seguida, usou uma técnica chamada microscopia crioeletra´nica de parta­cula única para capturar imagens das entidades emaranhadas - um processo semelhante a  criação de imagens de uma praia inteira enquanto ainda era capaz para determinar a localização exata de cada gra£o de areia.

O RBD da protea­na S pode adotar duas orientações diferentes, denominadas conformações "para cima" e "para baixo". Barnes e seus colegas obtiveram as primeiras imagens de alta resolução de um anticorpo neutralizador de SARS-CoV-2 ligado ao RBD em sua conformação "up".

Barnes descobriu que o anticorpo neutralizante se agarra ao RBD da protea­na S em uma posição que se sobrepaµe a  parte do RBD que trava em uma canãlula hospedeira; dessa maneira, o anticorpo efetivamente bloqueia a protea­na S de infectar células e neutraliza o va­rus.

"As vacinas funcionam dando a uma pessoa um pedaço de um pata³geno e, assim, induzindo o corpo a produzir anticorpos para esse pata³geno, para que futuras infecções não possam se sustentar. Portanto, uma vacina precisa ser projetada de maneira precisa para induzir o corpo humano a produz os tipos mais eficazes de anticorpos possa­veis ", explica Barnes. "Saber quais regiaµes do va­rus SARS-CoV-2 são particularmente vulnera¡veis ​​a anticorpos érealmente importante para projetar vacinas. E saber quais classes de anticorpos são mais eficazes pode nos ajudar a projetar melhores terapias de anticorpos".

"Uma coisa que éparticularmente interessante na estrutura de Christopher éque mostra que o anticorpo, embora fortemente neutralizante, não evoluiu para uma ligação ideal a  protea­na SARS-CoV-2 S", diz Bja¶rkman. "Isso sugere que esses tipos de anticorpos podem não ser difa­ceis de induzir no corpo de uma pessoa por meio de uma vacina. Além disso, sugere que deve ser possí­vel usar técnicas de engenharia de protea­nas para melhorar esses anticorpos e usa¡-los como terapaªuticos".

Um tra­mero SARS-CoV-2 S ligado por um anticorpo neutralizante. 
Crédito: Laborata³rio C. Barnes / Bja¶rkman

A interseção de ciência e cientistas

A pandemia do COVID-19 deu urgência a esta pesquisa, mas o trabalho, como todos os empreendimentos cienta­ficos, não ocorre no va¡cuo, isolado de outros eventos que ocorrem no mundo; nem os cientistas podem se separar completamente de suas experiências, boas e ruins, dentro e fora do laboratório. De fato, assim como o artigo da equipe foi aceito para publicação, outra questãosanãria estava na mente de muitos pesquisadores, incluindo Barnes e seus colegas. Em 25 de maio, a morte de George Floyd nas ma£os dos policiais de Minneapolis provocou protestos nacionais contra a brutalidade policial e o racismo sistemico. Para Barnes, foi um lembrete difa­cil de suas próprias lutas com o racismo que ele enfrentou no mundo e na academia.

"Vou twittar sobre meu trabalho algum dia", escreveu Barnes em sua conta no Twitter, alguns dias após a morte de Floyd. "Mas hoje escolho twittar sobre George Floyd, Ahmaud Arbery [um homem negro morto a tiros em fevereiro] e todos os outros irmãos que perdemos sem nenhuma raza£o. #BlackLivesMatter".

"Sou cientista. Sou cientista negro. Estou no campus da universidade desde 2004 e, muitas vezes, sou o aºnico cientista afro-americano em todo o meu prédio. Atéchegar a Caltech, nunca tive um Mentor negro que eu poderia ir para falar sobre ciência e raça e cultura ", diz Barnes. "a‰ um espaço difa­cil de navegar quando vocêprecisa compartimentar-se como pessoa, compartimentar suas emoções. Nãopodemos simplesmente contratar pessoas de cor e dizer-lhes para deixar sua cultura, experiências e humanidade a  porta. Esses eventos atuais são uma ilustração perfeita dessa dualidade: ter que mostrar alegria e entusiasmo aos meus colegas pela publicação de nosso artigo,

"A academia, como toda a Amanãrica, estãomanchada pela estrutura racista subjacente a tudo em nossa sociedade. Como cientistas negros, todas as nossas experiências são afetadas por isso e carregamos esse fardo junto com as responsabilidades esperadas em nossas posições. esse altonívelcomo cientista negro exige que vocêseja excepcional, exemplificado pelo trabalho do Dr. Barnes ", diz Bil Clemons, professor de bioquímica da Caltech e, como Barnes, também bia³logo estrutural. Clemons era o mentor de Barnes ao chegar a Caltech. Além de liderar seu pra³prio grupo, Clemons atua como presidente do Conselho de Diversidade do Presidente da Caltech. "A pesquisa do Dr. Barnes sobre HIV já era suficiente para demonstrar que ele estãopronto para uma posição no corpo docente. O rápido progresso que ele fez na pesquisa COVID-19, diante de todos os nossos problemas sociais, prova que ele seráum lider. da próxima geração de acadaªmicos ".

Poucos dias após a morte de Floyd, o Centro Caltech de Inclusão e Diversidade (CCID) organizou um painel virtual durante o qual membros da comunidade afro-americana e negra da Caltech - estudantes, professores e funciona¡rios - compartilharam algumas de suas várias experiências com uma platanãia de quase 1.000 membros da comunidade Caltech mais ampla. Clemons e Barnes participaram. O evento foi o primeiro de uma sanãrie de programas e conversas atravanãs dos quais a comunidade Caltech discutira¡ e avaliara¡ o clima de inclusão.

"Compartilhar minha história foi um primeiro passo importante para iniciar conversas com meus colegas, conversas difa­ceis que espero que continuem ao longo dos anos", diz Barnes.

A diretora de diversidade da Caltech, Cindy Weinstein, afirma : "Pertencer éa base essencial para a felicidade, criatividade e produtividade. Com essa base, indivíduos e comunidades podem atingir todo o seu potencial; sem ela, não podem. Caltech se compromete com a equidade, a inclusão e diversidade e reconhece que esses são os pilares sobre os quais a pertena§a évivenciada, construa­da e sustentada ".

De fato, em um memorando para a comunidade Caltech em 6 de julho, o presidente e a liderana§a acadaªmica da Caltech forneceram uma atualização sobre os novos passos que o Instituto tomara¡ "para garantir que continuemos a criar e reafirmar um campus no qual éevidente, em tudo o que fazemos , que as vidas negras são importantes, que as mentes negras são importantes ", incluindo o aumento de fundos e programas para a construção de um canal de estudantes, pa³s-docs e professores de cor.

"Na³s nos esforçamos para ser um exemplo de como uma comunidade diversificada e inclusiva, comprometida com a equidade, permite que os indivíduos prosperem no cumprimento da missão de pesquisa e educação do Instituto", disse o memorando.

Ilustração de manifestantes cercados por uma ilustração de picos de coronava­rus. 
Um manifestante segura uma placa #BLM.
Trabalhos de arte desenvolvidos pelo laboratório Bja¶rkman para representar a
pesquisa da COVID juntamente com protestos internacionais contra a brutalidade
policial. Crédito: Laborata³rio Bja¶rkman

Um artigo descrevendo a pesquisa de Barnes intitula-se " Estruturas de anticorpos humanos ligados ao pico de SARS-CoV-2 revelam epa­topos comuns e caracteri­sticas recorrentes de anticorpos ". Barnes éo primeiro autor do estudo. Bja¶rkman e Michel Nussenzweig, da Universidade Rockefeller, são autores co-correspondentes. Os co-autores da Caltech são especialistas em pesquisa saªnior Anthony P. West, Jr. (PhD '98); assistente técnica de pesquisa Kathryn Huey-Tubman; graduado estudante Magnus Hoffmann; estudioso de pa³s-doutorado e associado do Instituto Manãdico Howard Hughes Naima Sharaf; assistente tanãcnico de pesquisa Pauline Hoffman; assistente tanãcnico de pesquisa Nicholas Koranda; e cientista pesquisador Harry Gristick (PhD '15). Co-autores adicionais são Christian Gaebler, Frauke Muecksch, Julio Cetrulo Lorenzi, Shlomo Finkin, Thomas Hagglof, Arlene Hurley, Katrina Millard, Yiska Weisblum, Fabian Schmidt, Theodora Hatziioannou, Paul Bieniasz, Marina Caskey e Davide Robbiani, do The Rockefeller University. O financiamento foi fornecido pelos Institutos Nacionais de Saúde, Instituto Caltech Merkin de Pesquisa Translacional, Fast Grants da George Mason University, Instituto Manãdico Howard Hughes, Fundo Burroughs Wellcome, Robert S. Wennett e Fundação Mario Cader-Frech,

 

.
.

Leia mais a seguir