Cientistas estudaram células da placenta equivalentes ao primeiro trimestre da gravidez de gaªmeos em que um nasceu com a doença e o outro não
Os cientistas ficaram intrigados com o fato de um dos gaªmeos ter nascido com hidrocefalia e o outro não. Eles analisaram o sangue de três pares de gaªmeos com aproximadamente 1 ano de vida osIlustração: Cleber Siquette/Jornal da USP
Experimentos realizados por cientistas da USP e do Instituto Butantan mostraram que a placenta formada durante a gestação de bebaªs nascidos com microcefalia são mais suscetíveis ao zika varus. Os resultados foram observados graças a um trabalho de reprogramação celular realizado com o sangue de três pares de gaªmeos com aproximadamente 1 ano de vida. Os cientistas ficaram intrigados com o fato de um dos gaªmeos ter nascido com a doença e o outro não.
A placenta éum órgão do feto formado durante a gestação, que tem como papel principal promover a comunicação entre a ma£e e filho. Mas ter acesso a ela édifacil. “Nãopodemos interromper uma gravidez e tirar uma amostra, principalmente porque não épossível saber se o bebaª tera¡ microcefaliaâ€, explica Sergio Verjovski Almeida, professor do Instituto de Química (IQ) da USP e último autor do artigo publicado no dia 3 de agosto na revista Plos Neglected Tropical Diseases.
A “reprogramação celular†foi feita no Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Canãlulas-Tronco da USP pelos pesquisadores Ernesto Goulart e Luiz Caires. Os cientistas fizeram as células do sangue dos gaªmeos “voltarem no tempo†e assumirem caracteristicas de células-tronco embriona¡rias. Nesse esta¡gio, elas adquirem a capacidade de se diferenciar em qualquer tecido do corpo e, por isso, recebem o nome de células-tronco pluripotentes induzidas (iPS osdo inglês Induced Pluripotent Stem Cells).
O passo seguinte foi estimular as iPS para transforma¡-las em trofoblastos. “Assim, simulamos uma placenta primitiva, que éequivalente ao órgão do primeiro trimestre da gestaçãoâ€, descreve Verjovski. Trofoblastos são um conjunto de células que circundam os blastocistos e que contribuem para a formação da placenta, além de ajudarem no processo de implantação do embria£o ao aºtero. “Como os irmãos, em tese, foram submetidos a mesma carga viral, pensamos que as placentas poderiam ser diferentesâ€, explica Verjovski.
Trofoblasto éa camada de células epiteliais que constitui a parede externa do
blastocisto. a‰ por meio dele que o embria£o se fixa a parede do aºtero
 Ilustração: Cleber Siquette/Jornal da USP
Os trofoblastos dos três pares de gaªmeos fraternos (também conhecidos como bivitelinos ou diziga³ticos, gerados a partir da fertilização de dois a³vulos e dois espermatazoides), em que um nasceu com a microcefalia e o outro não, foram então analisados pelos cientistas.
A pesquisa mostrou que as células das placentas dos bebaªs não afetados produzem mais quimiocinas do que as que foram infectadas. Quimiocinas são um grupo de citocinas presentes no laquor e no sangue, responsa¡veis por recrutar células do sistema imune. “Nosso estudo mostrou como se da¡ o mecanismo de atração das células de defesa de ambos os gaªmeos e como eles se protegeramâ€, explica Murilo Sena Amaral, pesquisador do Instituto Butantan e primeiro autor do artigo.
Respostas
A primeira pergunta a ser respondida era se os trofoblastos dos bebaªs afetados se infectam de maneiras diferentes quando comparados aos dos não afetados. “Na placa de cultura, adicionamos a cepa brasileira do zika (ZIKV-BR) e percebemos que as células dos gaªmeos afetados apresentavam uma carga viral maiorâ€, esclarece Amaral.
A próxima fase serviu para desvendar por que isso acontecia e o estudo seguiu por dois caminhos. Primeiro, os trofoblastos recanãm-infectados permaneceram na placa de cultura por 96 horas. “Em seguida, coletamos essas células, fizemos a extração e a purificação do RNA e realizamos a análise transcripta´mica em larga escalaâ€, diz Amaral. Esse tipo de abordagem permite analisar as moléculas de RNA, que determinam quais genes sera£o expressos.
De maneira interessante, os genes que estavam expressos eram aqueles relacionados a implantação e a migração dos trofoblastos. “Alguns dias após ocorrer a fecundação, esse zigoto precisa migrar e se implantar para iniciar a formação da placenta e o desenvolvimento do fetoâ€, descreve o pesquisador. “A conclusão éque existem, sim, diferenças entre os trofoblastos dos gaªmeos afetados em relação aos dos não afetados.â€
Quando o organismo se vaª desafiado por um pata³geno externo, ele ativa seus mecanismos de defesa; em um processo normal, as células secretam proteanas, tanto para se defender quanto para avisar as outras células parceiras que algo estãoerrado. Por isso, os cientistas foram mais a fundo e decidiram olhar como se dava a secreção de quimiocinas dessas células. O resultado foi que os trofoblastos dos gaªmeos não afetados expeliram uma quantidade maior de RANTES/CCL5 e IP10 quando comparados com os dos gaªmeos que tiveram a microcefalia. “Essa maior produção de quimiocinas ajudou as células a se protegerem, barrando com mais eficiência a propagação do varus.â€
Além disso, as células dos bebaªs afetados não secretaram quantidades suficientes de interferons (IFN), uma outra proteana importante para a defesa do organismo contra patógenos intracelulares.
Tratamentos futuros
Trabalhos anteriores comprovaram que a cepa original do varus da zika, a de Uganda, era mais virulenta que a brasileira. “A nossa hipa³tese éque ele era tão agressivo que induzia a perda gestacionalâ€, ressalta Verjovski. Para o varus émelhor que ele não mate o seu hospedeiro, senão ele morre também. “O varus brasileiro sofreu mutações, dando a ele mais vantagens em relação a cepa anterior: mantanãm a gravidez, se reproduz, causa os danos cerebrais e continua se multiplicando.â€
Com a finalização da pesquisa, ficou comprovado que a placenta desempenha um papel central na proteção do feto, além de existirem certos fatores de suscetibilidade que contribuem para uma maior penetração do zika. â€Essa informação abre possibilidades para estudos de novos compostos ou estratanãgias farmacola³gicas para bloquear a penetração do zika pela placentaâ€, finaliza Amaral.