Saúde

SARS-CoV-2 desativa componentes-chave do sistema de defesa das células humanas
Os pesquisadores detalham como as protea­nas virais interagem com o RNA do hospedeiro para interromper a capacidade da canãlula de lutar contra a infeca§a£o.
Por Catherine Offord - 28/10/2020


ACIMA: Uma canãlula de mama­fero infectada com SARS-CoV-2, mostrando a formação de compartimentos onde o RNA viral éreplicado (canto superior esquerdo) e va­rions individuais saindo da canãlula (direita) - EMILY BRUCE

As protea­nas irais codificadas pelo SARS-CoV-2 interrompem componentes cra­ticos da maquinaria molecular das células humanas e desativam as  respostas a  infecção, de acordo com um estudo publicado em 8 de outubro na Cell . Pesquisadores nos Estados Unidos descrevem como protea­nas virais especa­ficas se ligam a RNAs humanos envolvidos no splicing de RNA, tradução de protea­nas e tra¡fego de protea­nas e, ao fazer isso, suprimem a coordenação da canãlula hospedeira de uma defesa antiviral chave conhecida como resposta do interferon tipo I.

O estudo oferece uma possí­vel explicação mecanicista para as respostas imunola³gicas embotadas observadas em alguns pacientes com COVID-19, diz Benjamin Terrier, imunologista do Hospital Cochin em Paris que não esteve envolvido no trabalho. Os pesquisadores “estãodemonstrando claramente como o va­rus écapaz de prejudicar a produção de protea­nas envolvidas nesta [defesa]”.

Na resposta do interferon tipo I, uma canãlula que detectou material genanãtico estranho em seu citoplasma inicia a produção e secreção de interferons - protea­nas de sinalização que disparam a expressão de centenas de genes antivirais. 

Estudos realizados por Terrier e outros relataram que os pacientes com COVID-19 grave geralmente mostram uma grande redução na produção de interferon, sugerindo que o sucesso do va­rus pode, em alguns casos, estar ligado a uma capacidade de interromper essa defesa celular. 

O bia³logo da Caltech Mitchell Guttman, junto com Dev Majumdar do Larner College of Medicine da University of Vermont e colegas, descobriram como o SARS-CoV-2 poderia estar fazendo isso enquanto estudava as interações entre as 27 protea­nas conhecidas do va­rus e o RNA humano in vitro. 

Os pesquisadores inseriram os genes para cada uma das protea­nas do SARS-CoV-2 em diferentes conjuntos de células humanas, de modo que cada canãlula produzisse apenas uma protea­na viral. Então, a equipe extraiu essas protea­nas junto com quaisquer RNAs aos quais eles se ligaram e estudou as interações entre as molanãculas.

Queremos entender como o va­rus pode interromper a maquinaria da canãlula hospedeira e ainda ser capaz de ativar os ribossomos, ser capaz de ativar a maquinaria de tra¡fico - todas essas coisas que foram desligadas.

—Dev Majumdar, University of Vermont Larner College of Medicine

Os pesquisadores descobriram que 10 das protea­nas do va­rus foram ligadas a RNAs envolvidos em processos celulares cra­ticos, como splicing de RNA, tradução de protea­nas e transporte de protea­nas. Para surpresa da equipe, diz Guttman, atéquatro protea­nas se ligam especificamente a RNAs não codificadores estruturais que compõem a maquinaria celular responsável pela coordenação desses processos. 

A protea­na viral NSP16, por exemplo, se ligou a uma sequaªncia de RNA do hospedeiro no spliceossomo de uma forma que tornou o complexo incapaz de reconhecer os transcritos de RNA, muito menos emenda¡-los adequadamente. O NSP1 se ligou ao ribossomo em uma posição que tornava impossí­vel para os mRNAs entrarem - essencialmente "colocando uma rolha" na estrutura de tradução da protea­na, diz Guttman. E NSP8 e NSP9 se ligaram e interferiram na parta­cula de reconhecimento de sinal, uma estrutura que ajuda a transportar protea­nas recanãm-traduzidas ao redor da canãlula.

Com base nesses resultados, a equipe previu que a infecção com SARS-CoV-2 reduziria drasticamente o splicing, a tradução e o transporte de protea­nas nas células humanas e, consequentemente, suprimiria a resposta do interferon, que depende do aumento desses três processos. Na verdade, as células epiteliais do pulma£o infectadas com o va­rus mostraram exatamente isso, relatam os pesquisadores em seu artigo.

Christian Ma¼nch, bia³logo celular da Goethe University Frankfurt que não esteve envolvido no trabalho, elogia a descrição abrangente do estudo dos mecanismos biola³gicos ba¡sicos subjacentes a esses efeitos. “Este éum desses bons exemplos em que manãtodos muito bons foram [aplicados] a esse novo va­rus para ver o que realmente acontece na canãlula após a infecção”, diz ele. 

Como os pesquisadores observaram em seu artigo, Ma¼nch acrescenta, o estudo não descartou o papel de outras vias em ajudar o SARS-CoV-2 a escapar das defesas do hospedeiro ou examinar as potenciais interações entre as próprias protea­nas virais. Ele acrescenta que trabalhos futuros poderiam examinar mais como os efeitos se desenvolvem ao longo do tempo a partir da infecção.

Guttman diz que a equipe estãointeressada nas possa­veis implicações terapaªuticas dos resultados do estudo. Uma rota poderia ser direcionar protea­nas virais como a NSP1 com drogas que as impedem de interagir com o aparelho celular. 

Os pesquisadores também estãoinvestigando como o va­rus - que depende do hospedeiro para traduzir seu pra³prio RNA e transportar suas protea­nas - consegue se replicar em uma canãlula gravemente comprometida, diz Majumdar.

“Queremos entender como o va­rus pode interromper a maquinaria da canãlula hospedeira e ainda ser capaz de ativar os ribossomos, ser capaz de ativar a maquinaria do tra¡fico - todas essas coisas que foram desligadas”, explica Majumdar. “Quais são os sinais apresentados pelos mRNAs virais para basicamente dar-lhes uma passagem para andar em todas essas ma¡quinas?”

Dados preliminares indicam que loops distintos na estrutura dos mRNAs SARS-CoV-2 podem estar agindo como esses sinais, diz Majumdar. Usar drogas de moléculas pequenas pode ajudar a bloquear a atividade viral dentro das células infectadas, acrescenta ele.

Terrier observa que a maioria das estratanãgias terapaªuticas para SARS-CoV-2 se concentra em impedir que o va­rus entre nas células, em vez de diminuir a atividade viral dentro das células já infectadas. “Como o SARS-CoV-2 érealmente agudo, acho que o mais importante a fazer ébloquear a entrada do va­rus”, diz ele. “Se vocêérealmente eficiente nisso, não precisa ser tão eficiente” no direcionamento de respostas intracelulares.

Mas os dados da equipe oferecem informações mecanicistas cruciais para informar futuras pesquisas sobre este e outros va­rus relacionados, como o SARS-CoV (o va­rus responsável pelo surto de SARS em 2003) e o coronava­rus da sa­ndrome respirata³ria do Oriente Manãdio (MERS-CoV), acrescenta. “Tentar [entender] como o va­rus pode determinar a gravidade da doena§a, o fato de que pode paralisar o sistema imunológico - isso émuito importante”.

 

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