Saúde

Melatonina natural produzida no pulma£o pode proteger contra o coronava­rus
A melatonina produzida no pulma£o atua como uma barreira contra o sars-cov-2 ao impossibilitar a infeca§a£o dessas células pelo va­rus. Horma´nio tomado por via oral não produz este resultado
Por Herton Escobar - 11/01/2021


Reprodução

Por que algumas pessoas são infectadas pelo sars-cov-2 e não desenvolvem sintomas, ou apenas sintomas leves? Uma pesquisa traz dados que podem ajudar a responder esta questãoao verificar a papel de uma substância produzida no pra³prio pulma£o, a melatonina, na proteção contra a forma grave da doena§a.

La­der do trabalho, a professora do Instituto de Biociências (IB) da USP Regina Pekelmann Markus ressalta que se trata apenas da melatonina produzida no órgão ostomar o horma´nio por via oral, por exemplo, não trara¡ resultados, pois a substância não chega aos pulmaµes.

Melatonina produzida no pulma£o impede infecção pelo novo coronava­rus

A melatonina produzida no pulma£o atua como uma barreira contra o sars-cov-2, impedindo a expressão de genes codificadores de protea­nas de células como os macra³fagos residentes, presentes no nariz e nos alvanãolos pulmonares, e as epiteliais, que revestem os alvanãolos pulmonares e são portas de entrada do va­rus. Dessa forma, o horma´nio impossibilita a infecção dessas células pelo va­rus e, consequentemente, a ativação do sistema imunológico, permitindo que o novo coronava­rus permanea§a por alguns dias no trato respirata³rio e fique livre para encontrar outros hospedeiros.

A descoberta, realizada por pesquisadores da USP, ajuda a entender por que hápessoas que não são infectadas ou que estãocom o va­rus, detectado por teste do tipo RT-PCR, e não apresentam sintomas de covid-19. Além disso, abre a perspectiva de uso da melatonina administrada por via nasal osem gotas ou aerossol ospara impedir a evolução da doença em pacientes pré-sintoma¡ticos. Para comprovar a eficácia terapaªutica do horma´nio contra o novo coronava­rus, poranãm, seránecessa¡ria a realização de uma sanãrie de estudos pré-clínicos e clínicos, sublinham os autores do estudo.

Os resultados do trabalho, apoiado pela Fapesp, foram descritos no artigo Melatonin-Index as a biomarker for predicting the distribution of presymptomatic and asymptomatic sars-cov-2 carriers, publicado na revista Melatonin Research.

“Constatamos que a melatonina produzida pelo pulma£o atua como uma ‘muralha’ contra o sars-cov-2, impedindo que o pata³geno entre no epitanãlio, que o sistema imunológico seja ativado e que sejam produzidos anticorpos”, diz a  Agência Fapesp Regina Pekelmann Markus, professora do Instituto de Biociências (IB) da USP e coordenadora do projeto.

“Essa ação da melatonina do pulma£o também deve ocorrer com outros va­rus respirata³rios, como o da influenza”, estima.

Os trabalhos da pesquisadora com melatonina foram iniciados nos anos 1990. Por meio de estudo com roedores, Markus demonstrou que o horma´nio produzido a  noite pela gla¢ndula pineal, no cérebro, com a função de informar o organismo que estãoescuro e prepara¡-lo para o repouso noturno, poderia ser produzido em outros órgãos, como no pulma£o.

Em um estudo também com roedores, publicado no ini­cio de 2020 no Journal of Pineal Research, a pesquisadora e colaboradores mostraram que os macra³fagos residentes, presentes no espaço aanãreo pulmonar, absorvem (fagocitam)partículas de poluição. Esse esta­mulo agressivo induz a produção de melatonina e de mais moléculas pelos macra³fagos residentes, capazes de internalizar o material particulado no ar respirado pelos animais, e estimula a formação de muco, tosse e expectoração, de modo que essaspartículas sejam expelidas do trato respirata³rio.

Ao bloquear a sa­ntese da melatonina pelos macra³fagos residentes, os pesquisadores observaram que aspartículas entraram na circulação e foram distribua­das por todo o organismo, incluindo o cérebro.

Com base nessa constatação de que a melatonina produzida no pulma£o altera as portas de entrada departículas de poluição, a pesquisadora e colaboradores decidiram avaliar, agora, se o horma´nio desempenharia a mesma função em relação ao sars-cov-2.

“Se isso acontecesse, o va­rus também não ficaria dispona­vel para se ligar ao receptor ACE2 das células, entrar no epitanãlio e desencadear a infecção”, explica Markus.

Ana¡lise de expressão gaªnica

Para testar essa hipa³tese, os pesquisadores analisaram um total de 455 genes associados na literatura a comorbidades relacionadas a  covid-19, interação do sars-cov-2 com protea­nas humanas e portas de entrada do va­rus, identificados em trabalhos como os realizados por Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacaªuticas (FCF) da USP e um dos autores do estudo. Desse total, foram selecionados 212 genes envolvidos na entrada do novo coronava­rus em células humanas, tra¡fego intracelular, atividade mitocondrial e processo de transcrição e pa³s-tradução, para criar uma assinatura fisiola³gica da covid-19.

A partir de dados de bancos de sequenciamento de RNA foi possí­vel quantificar os na­veis de expressão dos 212 genes que compuseram a chamada “assinatura covid-19” em 288 amostras de pulma£o sauda¡veis.

Ao correlacionar a expressão desses genes com um a­ndice chamado MEL-Index osque estima a capacidade do pulma£o de sintetizar melatonina, baseado na análise do órgão de roedores sauda¡veis –, os pesquisadores constataram que quanto menor o a­ndice, maior era a expressão de genes que codificam as protea­nas de macra³fagos residentes e de células epiteliais.

O MEL-Index também se correlacionou negativamente com os genes que modificam as protea­nas do receptor celular CD147, que éuma porta de entrada em macra³fagos e outras células do sistema imunológico, indicando que a produção normal de melatonina do pulma£o pode ser relevante para lidar com a invasão do va­rus.

Os resultados foram corroborados por um teste de correlação de Pearson osque mede o grau da correlação entre duas varia¡veis de escala manãtrica –, além de uma análise de enriquecimento de conjunto de redes e de uma ferramenta de rede que integra a conectividade entre os genes mais expressos, permitindo comparar um mesmo conjunto de gene em diferentes estados, desenvolvida pelo pesquisador Marcos Buckeridge, professor do IB-USP e um dos autores do estudo.

“Vimos que quando o MEL-Index era alto as portas de entrada do va­rus no pulma£o ficavam fechadas e, quando estavam baixo, essas portas ficavam abertas. Quando as portas estãofechadas, o va­rus fica vagando um tempo pelo ar pulmonar e depois tenta escapar para encontrar outro hospedeiro”, afirma Markus.

Como a melatonina produzida pelo pulma£o inibe a transcrição desses genes codificadores de protea­nas dessas células que são portas para entrada do va­rus, a aplicação de melatonina diretamente no pulma£o, em gotas ou aerossol, permitiria bloquea¡-lo. Mas isso ainda demandara¡ uma sanãrie de estudos, ponderam os pesquisadores.

Outra ideia éutilizar o a­ndice de melatonina pulmonar como um biomarcador de prognóstico para detectar portadores assintoma¡ticos do sars-cov-2.

O artigo Melatonin-Index as a biomarker for predicting the distribution of presymptomatic and asymptomatic sars-cov-2 carriers (DOI: 10.32794/mr11250090), de Pedro A. Fernandes, Gabriela S. Kinker, Bruno V. Navarro, Vinicius C. Jardim, Edson D. Ribeiro-Paz, Marlina O. Ca³rdoba-Moreno, Danãbora Santos-Silva, Sandra M. Muxel, Andre Fujita, Helder I. Nakaya, Marcos S. Buckeridge e Regina P. Markus, pode ser lido na revista Melatonin Research em www.melatonin-research.net/index.php/MR/article/view/109.

 

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