Saúde

Pegando câncer em flagrante
Usando a tecnologia CRISPR, os pesquisadores estãorastreando a linhagem de células cancerosas individuais conforme elas se proliferam e metastatizam em tempo real.
Por Eva Frederick - 24/01/2021


arvores filogenanãticas, comea§ando com uma canãlula cancerosa individual. Cada cor representa uma localização diferente no corpo. Uma a¡rvore muito colorida mostra um fena³tipo altamente metasta¡tico, onde os descendentes de uma canãlula saltaram muitas vezes entre diferentes tecidos. Uma a¡rvore que éprincipalmente de uma cor representa uma canãlula menos metasta¡tica. Imagem: Jeffrey Quinn / Whitehead Institute

Quando o câncer estãoconfinado a um ponto do corpo, os médicos geralmente podem trata¡-lo com cirurgia ou outras terapias. Grande parte da mortalidade associada ao ca¢ncer, no entanto, édevido a  tendaªncia de meta¡stase, enviando sementes de si mesmo que podem criar raa­zes por todo o corpo. O momento exato da meta¡stase épassageiro, perdido nas milhões de divisaµes que ocorrem em um tumor. “Esses eventos são normalmente impossa­veis de monitorar em tempo real”, diz Jonathan Weissman, professor de biologia do MIT e membro do Instituto de Pesquisa Biomédica de Whitehead. 

Agora, pesquisadores liderados por Weissman, que também éinvestigador do Howard Hughes Medical Institute, transformaram uma ferramenta CRISPR em uma maneira de fazer exatamente isso. Em um artigo publicado em 21 de janeiro na Science , o laboratório de Weissman, em colaboração com Nir Yosef, um cientista da computação da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Trever Bivona, um bia³logo do câncer da Universidade da Califórnia em San Francisco, trata as células cancerosas do forma como os bia³logos evolucionistas podem olhar para as espanãcies, mapeando uma a¡rvore geneala³gica intrincadamente detalhada. Ao examinar os ramos, eles podem rastrear a linhagem da canãlula para descobrir quando uma única canãlula tumoral se tornou nociva, espalhando sua progaªnie para o resto do corpo. 

“Com esse manãtodo, vocêpode fazer perguntas como: 'Com que frequência esse tumor estãometastatizando? De onde vão as meta¡stases? Para onde eles va£o? '”, Diz Weissman. “Ao ser capaz de acompanhar a história do tumor in vivo, vocêrevela diferenças na biologia do tumor que de outra forma seriam invisa­veis.”

Raspar células de papel

Os cientistas rastrearam as linhagens de células cancerosas no passado, comparando mutações compartilhadas e outras variações em seus projetos de DNA. Esses manãtodos, no entanto, dependem atécerto ponto da existaªncia de mutações ou outros marcadores de ocorraªncia natural suficientes para mostrar com precisão as relações entre as células. 

Foi aa­ que Weissman e os co-autores Jeffrey Quinn, então pa³s-doutorado no laboratório de Weissman, e Matthew Jones, um estudante graduado no laboratório de Weissman, viram uma oportunidade de usar a tecnologia CRISPR - especificamente, um manãtodo desenvolvido por Michelle Chan, membro do Weissman Lab para rastrear desenvolvimento de embriaµes - para facilitar o rastreamento. 

Em vez de simplesmente esperar que uma linhagem de câncer contivesse marcadores específicos de linhagem suficientes para rastrear, os pesquisadores decidiram usar o manãtodo de Chan para adicionar marcadores eles pra³prios. “Basicamente, a ideia éprojetar uma canãlula que tenha um arranha£o gena´mico de DNA, que então pode ser 'escrito' usando o CRISPR”, diz Weissman. Essa 'escrita' no genoma éfeita de tal forma que se torna heredita¡ria, o que significa que a progaªnie de uma canãlula teria a 'escrita' de suas células-ma£e e das células-ava³s registradas em seu genoma. 

Para criar essas células especiais "scratchpad", Weissman projetou células cancerosas humanas com genes adicionados: uma para a protea­na bacteriana Cas9 - a famosa "tesoura molecular" usada nos manãtodos de edição do genoma CRISPR - outras para protea­nas brilhantes para microscopia e algumas sequaªncias que serviria de alvo para a tecnologia CRISPR. 

Eles então implantaram milhares de células cancerosas humanas modificadas em camundongos, imitando um tumor de pulma£o (um modelo desenvolvido pela colaboradora Bivona). Ratos com tumores de pulma£o humano costumam exibir meta¡stases agressivas, então os pesquisadores raciocinaram que eles forneceriam um bom modelo para rastrear a progressão do câncer em tempo real. 

Quando as células começam a se dividir, Cas9 fez pequenos cortes nesses locais-alvo. Quando a canãlula reparou os cortes, ela remendou ou deletou alguns nucleota­deos aleata³rios, levando a uma sequaªncia única de reparo chamada indel. Esse corte e reparo ocorreram aleatoriamente em quase todas as gerações, criando um mapa de divisaµes celulares que Weissman e a equipe puderam rastrear usando modelos de computador especiais que eles criaram trabalhando com Yosef, um cientista da computação.

Revelando o invisível

Rastrear células dessa maneira produziu alguns resultados interessantes. Por um lado, as células tumorais individuais eram muito diferentes umas das outras do que os pesquisadores esperavam. As células que os pesquisadores usaram eram de uma linha de células de câncer de pulma£o humano estabelecida, chamada A549. “Vocaª pensaria que eles seriam relativamente homogaªneos”, diz Weissman. “Mas, na verdade, vimos diferenças drama¡ticas na propensão de diferentes tumores a  meta¡stase - atémesmo no mesmo camundongo. Alguns tiveram um número muito pequeno de eventos metasta¡ticos, e outros estavam saltando muito rapidamente. ”

Para descobrir de onde vinha essa heterogeneidade, a equipe implantou dois clones da mesma canãlula em camundongos diferentes. Amedida que as células proliferavam, os pesquisadores descobriram que seus descendentes metastatizavam a uma taxa notavelmente semelhante. Este não foi o caso com a descendaªncia de células diferentes da mesma linha celular - as células originais aparentemente desenvolveram diferentes potenciais metasta¡ticos, pois a linha celular foi mantida por muitas gerações. 

Em seguida, os cientistas se perguntaram quais genes eram responsa¡veis ​​por essa variabilidade entre as células cancerosas da mesma linhagem celular. Então, eles começam a procurar genes que eram expressos de forma diferente entre tumores não metasta¡ticos, fracamente metasta¡ticos e altamente metasta¡ticos. 

Muitos genes se destacaram, alguns dos quais eram anteriormente conhecidos por estarem associados a  meta¡stase - embora não estivesse claro se eles estavam causando a meta¡stase ou simplesmente um efeito colateral dela. Um deles, o gene que codifica a protea­na queratina 17, émuito mais fortemente expresso em tumores com meta¡stase baixa do que em tumores com meta¡stase elevada. “Quando eliminamos ou superexpressamos a queratina 17, mostramos que esse gene estava realmente controlando a capacidade de invasão dos tumores”, diz Weissman. 

Ser capaz de identificar genes associados a meta¡stases dessa forma pode ajudar os pesquisadores a responder a perguntas sobre como os tumores evoluem e se adaptam. “a‰ uma maneira inteiramente nova de olhar para o comportamento e a evolução de um tumor”, diz Weissman. “Achamos que pode ser aplicado a muitos problemas diferentes na biologia do ca¢ncer.”

De onde vocêveio, para onde vocêfoi? 

O manãtodo CRISPR de Weissman também permitiu aos pesquisadores rastrear com mais detalhes onde as células em meta¡stase entraram no corpo e quando. Por exemplo, a progaªnie de uma canãlula cancerosa implantada sofreu meta¡stases cinco vezes diferentes, espalhando-se a cada vez do pulma£o esquerdo para outros tecidos, como o pulma£o direito e o fa­gado. Outras células deram um salto para uma área diferente e então metastatizaram novamente a partir daa­. 

Esses movimentos podem ser mapeados perfeitamente em a¡rvores filogenanãticas (veja a imagem), onde cada cor representa um local diferente no corpo. Uma a¡rvore muito colorida mostra um fena³tipo altamente metasta¡tico, onde os descendentes de uma canãlula saltaram muitas vezes entre diferentes tecidos. Uma a¡rvore que éprincipalmente de uma cor representa uma canãlula menos metasta¡tica. 

O mapeamento da progressão do tumor dessa forma permitiu que Weissman e sua equipe fizessem algumas observações interessantes sobre a meca¢nica da meta¡stase. Por exemplo, alguns clones foram semeados como se fossem livros, viajando do pulma£o esquerdo, onde comea§aram, para áreas distintas do corpo. Outros semearam de forma mais irregular, movendo-se primeiro para outros tecidos antes de metastatizar novamente a partir daa­.

Um desses tecidos, o tecido linfa¡tico mediastinal que fica entre os pulmaµes, parece ser uma espanãcie de centro, diz o co-primeiro autor Jeffrey Quinn. “Ele serve como uma estação intermedia¡ria que conecta as células cancerosas a todo esse terreno fanãrtil que elas podem colonizar”, diz ele. 

Terapeuticamente, a descoberta de “hubs” de meta¡stases como este poderia ser extremamente útil. “Se vocêfocar as terapias contra o câncer nesses locais, podera¡ desacelerar a meta¡stase ou evita¡-la em primeiro lugar”, diz Weissman.

No futuro, Weissman espera ir além da simples observação das células e comea§ar a prever seu comportamento. “a‰ como a meca¢nica newtoniana - se vocêconhece a velocidade, a posição e todas as forças que atuam sobre uma bola, pode descobrir para onde a bola vai a qualquer momento no futuro”, diz Weissman. “Esperamos fazer o mesmo com as células. Queremos construir essencialmente uma função do que estãoconduzindo a diferenciação de um tumor e, então, sermos capazes de medir onde eles estãoem um determinado momento e prever onde eles estara£o no futuro. ”

Os pesquisadores estãootimistas de que ser capaz de rastrear as a¡rvores geneala³gicas de células individuais em tempo real seráútil também em outros ambientes. “Eu acho que isso vai desbloquear uma dimensão totalmente nova para o que pensamos como uma quantidade mensura¡vel em biologia”, diz o co-primeiro autor Matthew Jones. “O que érealmente legal nesse campo em geral éque estamos redefinindo o que éinvisível e o que évisível.”

 

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