Saúde

Neurocientistas da UFF advertem sobre riscos da COVID-19 no desenvolvimento neural infantil
Nenhuma condia§a£o deve ser encarada como permanente. O cérebro infantil épla¡stico e consegue se adaptar e compensar as adversidades. No entanto, não se deve dar chance a s condia§aµes adversas
Por Uff.br - 17/04/2021


Meninas em máscaras médicas em quarentena estãolendo um livro a  mesa. educar criana§as isoladas em uma epidemia Foto Premium

Em mara§o de 2020, quando a pandemia de COVID-19 foi oficialmente decretada no Brasil, e ainda se sabia muito pouco sobre o comportamento do va­rus, especialistas da área da saúde apontaram os idosos como a faixa eta¡ria mais vulnera¡vel e também a mais acometida pela forma grave da doena§a. Um ano depois, no entanto, esse cena¡rio parece ter se modificado enormemente. Se nos primeiros meses de 2020 não se tinha daºvidas de que o va­rus poderia levar a  morte quase que exclusivamente pessoas com mais de sessenta anos, hoje o que se observa, com as novas variantes em circulação, éuma manifestação em massa das formas mais agudas da doença em jovens, modificando as certezas que se tinha atéentão sobre a doena§a.

Diante desse cena¡rio, pouca atenção se deu aos efeitos do coronava­rus em criana§as, tidas atépouco tempo atrás como praticamente “imunes” ao va­rus. Contrariando as percepções iniciais sobre a doena§a, trabalhos cienta­ficos na área da saúde vão sustentando que as criana§as não são imunes a  COVID-19. E, mais do que isso: “embora as complicações sejam raras, elas existem e tem o potencial de impactar o desenvolvimento neural”. Isso éo que afirma o docente da Pa³s-Graduação em Neurociências da UFF, Cla¡udio Serfaty. Juntamente com alunos e ex-alunos de pós-graduação e de iniciação cienta­fica, ele desenvolve a pesquisa intitulada Neuroinflamação e o Desenvolvimento e Plasticidade do Canãrebro, que atualmente foi modificada para investigar as possa­veis consequaªncias da COVID-19 no desenvolvimento cerebral, constituindo um risco adicional ao fena´meno da neuroinflamação no paºblico infantil.

Na esfera federal, o negacionismo épatente e tem amplificado a crise sanita¡ria. Isto se reflete na resistência ao uso de máscaras e nas aglomerações desnecessa¡rias. Mas o negacionismo também se reflete no relaxamento nos cuidados das criana§as, já que alguns pais frequentemente tendem a subestimar o perigo da doena§a, principalmente porque não fazem ideia das complicações que podem surgir”

Cla¡udio Serfaty, professor de Neurociências da UFF

No estudo, analisa-se o papel das células microgliais, que monitoram e reagem ativamente a qualquer alteração ambiental, tal como as infecções, mas também a lesões, alterações na dieta, agentes ta³xicos ou qualquer distaºrbio do microambiente cerebral. Estas células são fundamentais ao desenvolvimento dos circuitos neurais, principalmente a partir do segundo ano de vida, quando ocorre um processo de eliminação de sinapses inapropriadas. Este mecanismo éessencial ao pleno desenvolvimento das habilidades do cérebro, seja no processamento sensorial, no desenvolvimento motor, da linguagem e da cognição. As células microgliais, enfim, são muito sensa­veis aos esta­mulos neuroinflamata³rios, que modificam suas propriedades funcionais.

De acordo com o professor Cla¡udio, “embora as criana§as de atédois anos sejam mais susceta­veis, as consequaªncias da neuroinflamação podem também aparecer após essa idade. Na pandemia de COVID-19, a conjunção de fatores inflamata³rios (infecção viral + alterações ambientais) podem constituir um fator de risco para o desenvolvimento de alterações do desenvolvimento neural infantil”, enfatiza. A pesquisa vem sendo desenvolvida no Laborata³rio de Plasticidade Neural da UFF, que, desde a sua fundação, em 1994, se dedica a estudar as alterações do desenvolvimento do cérebro induzido pela ma¡ nutrição, pelo consumo de a¡lcool na gestação, os efeitos do hipotireoidismo congaªnito e os períodos cra­ticos de plasticidade do sistema nervoso central. Atualmente, ele integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neuroimunomodulação (INCT-NIM) e a Rede de Saúde em Neuroinflamação (Faperj).

"No contexto da COVID-19, para além de uma infecção respirata³ria, sua capacidade de infectar o sistema nervoso não demorou muito a se evidenciar e nostrouxemos isso para o contexto de possa­veis alterações do cérebro infantil, acarretando riscos para o aparecimento de doenças como TDAH e autismo"

Luana Chagas, pa³s-doutoranda em Neurociências. 

Para a pa³s-doutoranda Luana Chagas, também participante da pesquisa, as informações produzidas pelo trabalho são ainda mais relevantes considerando-se que “vivemos em um contexto onde a grande maioria da população ainda acredita que criana§as são invulnera¡veis por não apresentarem sintomatologia tradicional imediata. Os possa­veis riscos a longo prazo relatados em nosso trabalho ocasionados pela infecção por um va­rus que écapaz de atacar o sistema nervoso, na verdade, tornam a criana§a um alvo ainda mais vulnera¡vel por ela ainda estar com seus sistemas imaturos e pelo va­rus ser silencioso, já que elas infectadas são assintoma¡ticas”, ressalta.

Normalmente, segundo a pesquisadora, “as neurociências são apenas vistas como área de estudo das doenças mais tradicionais e diretamente ligadas ao cérebro, mas na verdade estãomuito mais integradas, interagindo com aspectos imunológicos e sistemicos. Por exemplo, no contexto da COVID-19, para além de uma infecção respirata³ria, sua capacidade de infectar o sistema nervoso não demorou muito a se evidenciar e nostrouxemos isso para o contexto de possa­veis alterações do cérebro infantil, acarretando riscos para o aparecimento de doenças como TDAH e autismo. Essas doenças são sera£o identificadas mais tardiamente, e apenas daqui a alguns anos poderemos avaliar os verdadeiros vesta­gios deixados pela forma que nos portamos nesta pandemia”.

Cla¡udio Serfaty complementa dizendo que éimportante os pais saberem que criana§as também podem desenvolver a COVID-19, e que uma pequena parcela delas, mesmo entre as que apresentaram apenas sintomas leves, pode manifestar a chamada Sa­ndrome Multiinflamata³ria Sistemica Pedia¡trica (MIS-C), com repercussaµes inflamata³rias vasculares graves, inclusive neurolégicas. “Este fena´meno, semelhante a  Sa­ndrome de Kawasaki, foi observado na COVID-19, assim como em outras infecções virais a exemplo da H1N1, Zika va­rus, Rubanãola e Citomegalovirus. Diversos estudos mostram que a microglia ativada, seja por infecções ou alterações ambientais, não consegue realizar o processo de poda sina¡ptica, o que resulta em circuitos neurais com desenvolvimento anormal. Vale ressaltar que distúrbios do desenvolvimento como o autismo e o transtorno do danãficit de atenção e hiperatividade e atémesmo a esquizofrenia tem sido associados a distúrbios neuroinflamata³rios durante o desenvolvimento do cérebro, principalmente na primeira infa¢ncia”, destaca.

Um dos aspectos apontados por Cla¡udio para o relativo pouco valor dado atéo momento no que diz respeito a s relações entre a COVID-19 e o paºblico infantil éo fena´meno do negacionismo. Segundo ele, “na esfera federal, o negacionismo épatente e tem amplificado a crise sanita¡ria. Isto se reflete na resistência ao uso de máscaras e nas aglomerações desnecessa¡rias. Mas o negacionismo também se reflete no relaxamento nos cuidados das criana§as, já que alguns pais frequentemente tendem a subestimar o perigo da doena§a, principalmente porque não fazem ideia das complicações que podem surgir”.

Apesar do alerta, o neurocientista leva uma mensagem de tranquilização para os pais. Ele afirma que o desenvolvimento do cérebro élongo e, principalmente na primeira infa¢ncia, o cérebro se recupera de forma surpreendente a várias formas de agressão: “então, basta cuidar e prevenir. Nenhuma condição deve ser encarada como permanente. O cérebro infantil épla¡stico e consegue se adaptar e compensar as adversidades. No entanto, não devemos dar chance a s condições adversas!”.

Para a pa³s-doutoranda, o grande desafio trazido por todo esse cena¡rio éenxergado como oportunidade. “Atualmente, o combate contra o negacionismo são fez a ciência crescer. Quanto mais negam os fatos, mais estratanãgias nosdesenvolvemos para disseminar os dados cienta­ficos; criamos mais pa¡ginas e redes sociais de divulgação. Cientistas são evidenciados e se adequam para transmitir a informação de uma maneira mais acessa­vel para se explicar um assunto de difa­cil entendimento e desmentir muitas inverdades disseminadas. O maior desafio acaba sendo o de desenvolver estratanãgias cada vez melhores e de maior alcance para levar informação cienta­fica para além das bancadas de laboratório e da universidade. Do ponto de vista da saúde mental e da perseverana§a, acho importante nos mantermos otimistas, cranãdulos e atentos ao que a ciência tem a nos dizer, pois dela costumam vir alertas para se prevenir problemas piores ou soluções para os já problemas existentes”, finaliza.

 

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