Especialistas recomendam exame clanico ou inspea§a£o visual isolado. Radiografia traz mais prejuazos que benefacios, pois pode levar a intervena§aµes odontola³gicas desnecessa¡rias devido a resultados falso-positivos

O exame clanico ou inspeção visual isolado (VIS) ainda éo mais recomendado para o diagnóstico de ca¡rie em criana§as com dentes decaduos (dente de leite) osFoto: Pixabay
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Pesquisa da Faculdade de Odontologia (FO) da USP feita com 252 criana§as, entre três e seis anos, mostrou que o exame radiola³gico não se configura como melhor manãtodo de diagnóstico de ca¡ries em dentes decaduos (dentes de leite), devido a ocorraªncia de resultados falso-positivos que induziriam cirurgiaµes-dentistas a realizar intervenções desnecessa¡rias. Segundo o estudo, o exame clanico ou inspeção visual isolado (VIS) ainda éo mais recomendado para essa idade. Além de diminuir a quantidade de procedimentos odontola³gicos, posterga o tratamento para ocasiaµes em que a criana§a esteja mais madura emocionalmente.
Segunda a pesquisa, a ca¡rie infantil em dentes decaduos atinge 500 milhões de criana§as no mundo e a prática clanica utilizando radiografia para diagnóstico das lesões ainda écomumente adotada em consulta³rios odontola³gicos.
A cirurgia£-dentista Laura Regina A. Pontes, uma das pesquisadoras envolvidas no estudo, diz ao Jornal da USP que “o manãtodo apresenta mais prejuazos do que benefaciosâ€.
Os dentes decaduos surgem por volta dos seis meses de idade e são gradualmente substituados pelos permanentes pra³ximo dos seis anos de idade. A pesquisadora éprimeira autora do artigo veiculado em mara§o de 2021, no BMC Oral Health, Impacto terapaªutico insignificante, falso-positivos, sobrediagnóstico e vianãs de tempo de espera são os motivos pelos quais as radiografias trazem mais danos do que benefacios no diagnóstico de ca¡rie em criana§as pré-escolares.Â
“Algumas imagens radiolaºcidas nas radiografias (imagem mais escura) induzem a algumas intervenções desnecessa¡rias porque muitas delas não evoluem antes que acontea§a a troca da dentição na criana§a. Sa£o os chamados sobrediagnósticos: o diagnóstico de uma doença que nunca provocara¡ sintomas, que converte as pessoas em pacientes sem necessidadeâ€, afirma. Laura ressalta ainda a importa¢ncia de se considerar aspectos da saúde emocional e de bem-estar da criana§a. “O adiamento de tratamentos permite que elas tenham mais tempo para o desenvolvimento de suas emoções para lidar melhor com tratamentos odontola³gicosâ€, diz.
As criana§as que participaram da pesquisa chegaram por demanda esponta¢nea trazidas por seus pais ou responsa¡veis para serem atendidas nos servia§os odontola³gicos ofertados gratuitamente a comunidade pela Faculdade de Odontologia, para desenvolvimento de suas atividades prática s e acadaªmicas. Elas foram divididas em dois grupos e acompanhadas em seus tratamentos por dois anos, para que as duas estratanãgias de diagnósticos fossem avaliadas: diagnóstico feito apenas por exame clanico ou associado a radiografias.
“Algumas imagens radiolaºcidas nas radiografias (imagem mais escura) induzem a algumas intervenções desnecessa¡rias porque muitas delas não evoluem antes que acontea§a a troca da dentição na criana§a. Sa£o os chamados sobrediagnósticos: o diagnóstico de uma doença que nunca provocara¡ sintomas, que converte as pessoas em pacientes sem necessidadeâ€
O grupo controle teve o tratamento definido a partir da avaliação clanica com exame visual pelo Sistema Internacional de Detecção e Avaliação de Ca¡rie (ICDAS osandice utilizado para avaliar lesões de ca¡rie em todos os esta¡gios) e o outro, a partir do exame clanico, acompanhado de exames radiola³gicos complementares. O critanãrio exigido para que as criana§as participassem da pesquisa foi que já tivessem pelo menos um molar decaduo (dentes de trás que ficam na parte posterior da mandabula ou da maxila). Esta parte do estudo foi descrita no artigo Impacto da inspeção visual e radiografias para detecção de ca¡rie em criana§as por meio de um ensaio clanico randomizado de 2 anos, publicado em junho de 2020 no The Journal of the American Dental Association.
Resultados
Das 252 criana§as, 216 permaneceram no tratamento e foram acompanhadas por todo o período proposto pela pesquisa (dois anos). A cada seis meses, elas eram convocadas para retorno aos consulta³rios para avaliação das restaurações, instruções sobre higiene oral, escovação supervisionada e dieta. Apa³s 12 e 24 meses, os exames clínicos eram refeitos para avaliar as restaurações.
De forma em geral, as criana§as que foram submetidas aos exames clínicos e radiogra¡ficos para detecção de ca¡rie e determinação de tratamento tiveram 30% a mais de intervenções do que aquelas que foram submetidas apenas ao exame clanico visual.
Foi possível observar também que as criana§as do grupo que foram submetidas aos exames radiogra¡ficos tiveram mais substituições de restaurações e mais restaurações realizadas desde o inicio do estudo, em comparação com o grupo que fez o tratamento baseado apenas no exame clanico visual. Quanto aos resultados falso-positivos, o grupo de radiografias também teve um número maior pontuado na pesquisa, em dez vezes mais.
“O adiamento de tratamentos permite que elas tenham mais tempo para o desenvolvimento de suas emoções para lidar melhor com tratamentos odontola³gicosâ€
Ca¡rie denta¡ria: oclusal e proximal
Em um segundo momento, após finalizado o acompanhamento, os cirurgiaµes-dentistas também quiseram saber quais foram as intervenções realizadas nos dois grupos de pacientes tratados pelas estratanãgias distintas.
Para isso, avaliaram 4.383superfÍcies dentais, tanto as oclusais (parte superior do dente), quanto as proximais (ponto de contato entre os dentes, onde se passa fio dental). Destas regiaµes avaliadas, 45 apresentaram resultados falso-positivos (1,02%). Destes, em trêssuperfÍcies (6,7%), a decisão para o tratamento operata³rio foi tomada levando em conta a inspeção visual. Em 17superfÍcies (37,8%), a decisão de intervenção foi feita baseada em exame radiogra¡fico.
A dentista lembra que todas assuperfÍcies classificadas como resultados falso-positivos foram restauradas sem que houvesse necessidade. Nesse caso, o falso-positivo foi registrado quando umasuperfÍcie denta¡ria tinha sido submetida ao tratamento operata³rio sem que, de fato, houvesse a ca¡rie e que pa´de ser confirmada a existaªncia da lesão somente após a abertura do dente.
Sobrediagnósticos
Para avaliar a ocorraªncia de sobrediagnósticos, foram consideradas assuperfÍcies com indicação de tratamento operata³rio pelos dois manãtodos, que não foram restauradas e também não progrediram durante o tratamento.
Para os exames visuais clínicos, houve apenas quatrosuperfÍcies dentais diagnosticadas positivamente que não foram restauradas, sendo que apenas três destassuperfÍcies progrediram nos dois anos subsequentes.
Pelo manãtodo radiogra¡fico, foram detectadas 65superfÍcies dentais com indicação de tratamento operata³rio, mas que não foram restauradas. Destas 65superfÍcies, 42 (64,6%)superfÍcies não necessitaram de nenhum tratamento operata³rio durante o período da pesquisa.
Ca¡rie infantil
A pesquisa estima que no mundo, durante a infa¢ncia, a ca¡rie denta¡ria não tratada em dentes decaduos atinge cerca de 500 milhões de criana§as, sendo a doença crônica mais prevalente nessa faixa eta¡ria. No Brasil, aos 5 anos de idade, uma criana§a possui, em média, um andice de 2,43 dentes com ca¡rie, sendo a proporção maior nas regiaµes Norte e Nordeste, enquanto a de dentes restaurados émaior nas regiaµes Sudeste e Sul. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que a ca¡rie denta¡ria éum problema de saúde pública na maioria dospaíses industrializados, nos quais 60% a 90% das criana§as e a grande maioria dos adultos são afetados pela doena§a. Embora seja considerada uma doença infantil, na realidade, ela permanece e atépiora na idade adulta. As visitas ao dentista deveriam ocorrer em intervalos que variam de três a 12 meses para criana§as e de três a 24 meses para adultos. Em um cena¡rio ideal, as primeiras visitas ao dentista deveriam acontecer antes do surgimento do primeiro dente, entre 6 e 7 meses, para instruções da forma correta de fazer a limpeza e evitar ca¡ries. Mais informações: e-mail laura.pontes@usp.br, com Laura Regina Antunes Pontes