Saúde

Mala¡ria aumenta o risco de criana§as desenvolverem anemia aos dois anos
Estudo realizado em Cruzeiro do Sul, Acre, alerta para o impacto da doença na saúde de ma£es e bebaªs e para a necessidade de um maior controle da mala¡ria e do monitoramento de gestantes e parturientes
Por Valéria Dias - 21/07/2021


A anemia na infa¢ncia éuma condição preocupante. Na maioria dos casos, estãoassociada a  deficiência de ferro e pode comprometer o desenvolvimento fa­sico e neurola³gico, principalmente quando ocorre dos nove meses aos dois anos de idade osFoto: Reprodução

Estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e da Faculdade de Saúde Paºblica (FSP) da USP na cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, mostra que as criana§as que tiveram mala¡ria recente ou episãodios repetidos tem risco aumentado para desenvolverem anemia aos dois anos. Já a mala¡ria na gestação foi associada a baixos na­veis de hemoglobina materna, diminuição de peso e comprimento ao nascer. Uma única ocorraªncia de mala¡ria transmitida pelo Plasmodium vivax (veja box abaixo) foi suficiente para impactar estes resultados, sendo que os episãodios repetidos tiveram efeito negativo mais pronunciado no peso e na hemoglobina materna.

Os resultados estãodescritos no artigo Low-level Plasmodium vivax exposure, maternal antibodies, and anemia in early childhood: population-based birth cohort study in Amazonian Brazil, publicado no dia 15 de julho na revista cienta­fica PLOS Neglected Tropical Diseases. A pesquisa foi realizada pela bia³loga Anaclara Pincelli com orientação do professor do ICB Marcelo Urbano Ferreira.

Os achados da pesquisa ajudam a derrubar o mito de que a mala¡ria vivax seria uma infecção relativamente “benigna” na gravidez e na primeira infa¢ncia na Amaza´nia e servem de alerta aos gestores paºblicos para a necessidade de um maior controle da doença na regia£o, com a intensificação do monitoramento da mala¡ria em gestantes e parturientes.

Segundo os pesquisadores, a anemia na infa¢ncia éuma condição preocupante. Na maioria dos casos, estãoassociada a  deficiência de ferro e pode comprometer o desenvolvimento fa­sico e neurola³gico, principalmente quando ocorre dos nove meses aos dois anos de idade.

Entenda a mala¡ria

A mala¡ria éuma doença parasita¡ria causada pelos protozoa¡rios Plasmodium vivax e P. falciparum. Ha¡ ainda outros dois tipos: P. ovale não étransmitido no Brasil; já o P. malariae existe, mas éraro.

Os sintomas são: calafrios, febre alta, tremores. Entretanto, a mala¡ria assintoma¡tica já éuma realidade no Brasil: o indiva­duo infectado sente-se completamente sauda¡vel e não apresenta sintomas.

a‰ transmitida aos seres humanos atravanãs da picada da faªmea infectada do mosquito Anopheles. Poranãm, ao nascer, os mosquitos não carregam em si os plasma³dios. Eles se infectam ao picar uma pessoa já infectada e que não estãoem tratamento.

Ao entrar na corrente sanguínea, o plasma³dio vai para o fa­gado, onde invade os hepata³citos e se multiplica. No caso de P. vivax, pode ocorrer de alguns parasitos ficarem “hibernando” e comea§arem a se desenvolver apenas meses depois, dando ini­cio a um novo ciclo da doena§a.

Projeto MINA-Brasil

Os pesquisadores utilizaram dados envolvendo 1.539 criana§as acompanhadas desde 2015 pelo Projeto MINA Brasil (Saúde e Nutrição Materno-Infantil no Acre), coordenado pela professora Marly Augusto Cardoso, do Departamento de Nutrição da FSP.

Realizado em Cruzeiro do Sul, no Acre osuma das cidades com maior incidaªncia de mala¡ria no Brasil -, o MINA-Brasil éum acompanhamento de longo prazo (coorte) de ma£es e seus bebaªs para avaliar aspectos da saúde e da nutrição, desde a concepção atéos mil dias de vida (270 da gestação + 365 do primeiro ano + 365 do segundo ano de vida).

O período éconsiderado uma “janela de oportunidades” para uma sanãrie de intervenções importantes que podem melhorar o perfil de saúde da criana§a na adolescaªncia e na vida adulta. A iniciativa integra o Projeto Tema¡tico Estudo MINA osmaterno-infantil no Acre: coorte de nascimentos da Amaza´nia Ocidental Brasileira, da Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp).

“A mala¡ria vivax no Brasil tem impacto na saúde infantil nos dois primeiros anos de vida. Esse dado tem sido subestimado e foi obtido a partir de um estudo de base populacional e longitudinal, algo inanãdito no Paa­s”

 Marly Cardoso

Doena§a negligenciada

“Em outro estudo [dispona­vel neste link] observamos que na Amaza´nia a mala¡ria vivax na gravidez não ébenigna. A grande questãoa ser discutida éque, mesmo com alguns artigos sobre isso, a doença continua sendo negligenciada”, alerta a bia³loga Anaclara Pincelli, doutoranda do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

Em entrevista ao Jornal da USP, Anaclara diz que o principal informação trazida em sua pesquisa éo efeito cumulativo da infecção por mala¡ria vivax cla­nica (aquela com sintomas e que foi detectada em testes de laboratório) e suas implicações na saúde da criana§a nos primeiros mil dias de vida. “Um aºnico episãodio de mala¡ria vivax ésuficiente para trazer esses efeitos negativos e episãodios repetidos tem um efeito ainda mais grave”, diz. Ela conta que chegou a encontrar uma criana§a que, antes dos dois anos, já havia tido nove episãodios de mala¡ria.

A professora Marly conta que, nessa população, a mala¡ria vivax éum fator adicional para o risco de anemia, comprometendo todo esse capital humano, pois vai impactar o desenvolvimento dessas criana§as, o desempenho na vida escolar e a força de trabalho dos futuros adultos. “Por isso, émuito importante não apenas corrigir a anemia nessa fase da vida, mas também suas causas, que, neste caso, não são apenas alimentares mas incluem o impacto da mala¡ria.”

Do ponto de vista alimentar, Marly destaca alguns achados observados em estudos anteriores do Projeto MINA. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo atéos seis meses de idade. A professora explica que, apesar de o leite materno ter pouca quantidade de ferro, ele éaltamente biodispona­vel. Mas, em Cruzeiro do Sul, foi observada a introdução de outros alimentos precocemente já no primeiro maªs de vida, como o uso de leite de vaca e fa³rmulas infantis que não oferecem os fatores imunológicos e outros biocompostos presentes no leite materno que são necessa¡rios ao bebaª nessa fase.

“Outros trabalhos do grupo com essa mesma coorte indicam que cerca de 80% dos bebaªs com menos de um ano recebiam algum alimento ultraprocessado, como refrigerante, salgadinho e macarra£o instanta¢neo, entre outros, que não são recomendados para menores de dois anos de idade”, alerta a professora.

Mala¡ria e anemia

A mala¡ria éum fator de risco para a anemia porque o plasma³dio invade as hema¡cias e depende de nutrientes, como ferro, para sua multiplicação, o que leva a  perda desse elemento pelo organismo. E criana§as dependem muito de ferro para o seu desenvolvimento. “Uma das problema¡ticas do P. vivax são os casos repetidos, que acabam agravando a anemia porque a pessoa infectada acaba não tendo tempo de se recuperar do primeiro episãodio”, diz Anaclara. Todas as criana§as do projeto diagnosticadas com anemia receberam tratamento com sulfato ferroso pela equipe de pesquisa em parceria com a Estratanãgia Saúde da Fama­lia do munica­pio de Cruzeiro do Sul.

Em outro estudo, o grupo de pesquisadores ainda constatou que 40% das ma£es apresentaram anemia no parto osuma ocorraªncia muito alta, que revela um problema sanãrio de saúde pública, tanto para as ma£es como para os bebaªs. “No final da gravidez elas estavam anaªmicas. Esse éum dado importante para a atenção prima¡ria a  saúde reforçar ações como o acompanhamento do pré-natal, pois além do risco de a criana§a nascer com reservas inadequadas de ferro, a anemia na gravidez éimportante fator de risco para a mortalidade materna”, alerta Marly.

Fazer o teste diagnóstico para mala¡ria em áreas endaªmicas, independentemente da
paciente ter ou não sintomas, durante o pré-natal, bem como nas parturientes, é
uma estratanãgia para controlar a doença osFoto: Ceca­lia Bastos/USP Imagens

De acordo com a professora, a pesquisa traz evidaªncias importantes que poderiam ser usadas pelos gestores de saúde pública. “A mala¡ria vivax no Brasil tem impacto na saúde infantil nos dois primeiros anos de vida. Esse dado tem sido subestimado e foi obtido a partir de um estudo de base populacional e longitudinal, algo inanãdito no Paa­s”, destaca.

Marly ressalta que o Guia da Atenção Ba¡sica do Pranã-Natal do Ministanãrio da Saúde recomenda fazer o teste diagnóstico para mala¡ria em áreas endaªmicas, independentemente da paciente ter ou não sintomas, durante o pré-natal, bem como nas parturientes.

“Na³s não analisamos este dado neste trabalho, mas temos a informação de que isso não tem sido feito rotineiramente em Cruzeiro do Sul, tanto no setor paºblico como no privado”, diz a pesquisadora. “Esta pesquisa reforça a necessidade de implementar essas ações já previstas, de modo que seja feito o tratamento e o monitoramento dessas infecções na gestação e no parto”, conclui.

 

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