Saúde

Pacientes com HIV 'curados' por sua própria biologia única podem abrigar segredos para acabar com o flagelo global
Os cientistas chamam essa pequena populaa§a£o de controladores de elite , um apelido que reflete sua capacidade única de manter um dos va­rus mais nota³rios sob controle .
Por Delthia Ricks - 31/12/2021


HIV (amarelo) infectando uma canãlula imunola³gica humana. Crédito: Seth Pincus, Elizabeth Fischer e Austin Athman, Instituto Nacional de Alergia e Doena§as Infecciosas, National Institutes of Health

Algumas pessoas com diagnóstico de HIV são capazes de erradicar o va­rus sem medicamentos antirretrovirais ou mesmo transplantes de células-tronco, possuindo a capacidade de suprimir naturalmente o va­rus e alcana§ar uma cura clinicamente verifica¡vel.

Os cientistas chamam essa pequena população de controladores de elite , um apelido que reflete sua capacidade única de manter um dos va­rus mais nota³rios sob controle .

Dois desses pacientes ganharam fama na literatura cienta­fica nos últimos meses, cada um conhecido principalmente por um codinome: o Paciente San Francisco e outro chamado Paciente Esperanza. Ambas são mulheres que foram destaque em revistas médicas e em conferaªncias cienta­ficas por terem erradicado o HIV de seus corpos.

Além desses dois exemplos famosos, uma nova pesquisa do Ragon Institute em Boston se concentrou em um grupo maior de controladores de elite - 58 no total - que também foram capazes de manter o va­rus sob controle em virtude de suas distintas capacidades biológicas. Os controladores de elite foram comparados com 42 pacientes com HIV em terapia anti-retroviral, pessoas que representam a grande maioria daqueles diagnosticados globalmente com HIV.

Em artigo na Science Translational Medicine , os imunologistas do instituto relatam que descobriram um poa§o profundo de novas pistas que apontam para a capacidade incomum dos controladores de elite de erradicar o va­rus. Uma das razões éuma resposta imunola³gica poderosa, mas outra se concentra em onde as sequaªncias genanãticas virais latentes estãopresas no genoma humano. Essas sequaªncias tendem a ser inseridas nos cromossomos em regiaµes remotas onde são menos propensas a se replicar, mas mais propensas a serem encontradas por forças imunola³gicas.

A pesquisa estãoabrindo uma nova janela para a compreensão do que significa estar infectado com o HIV, um va­rus que afeta 38 milhões de pessoas em todo o mundo. Milhaµes em todo o mundo morreram desde que a pandemia do HIV começou há40 anos.

A maioria dos pacientes toma medicamentos antirretrovirais pelo resto da vida para manter o va­rus sob controle, mas os controladores de elite podem dominar o HIV facilmente por longos períodos sem a necessidade de medicamentos. Embora o Paciente de Sa£o Francisco tenha sido infectado em 1992, ela manteve o va­rus sob controle por décadas. Sua existaªncia - e a de outros controladores de elite - desafia o dogma de longa data de que a infecção pelo HIV éinvariavelmente para a vida toda.
 
As novas descobertas se juntam a um crescente corpo de trabalho que pode eventualmente estabelecer as bases para futuras intervenções farmacaªuticas para ajudar a grande maioria dos pacientes com HIV a eliminar o va­rus com base em princa­pios que os cientistas estãoaprendendo com controladores de elite, pessoas que alcana§aram as chamadas "curas esterilizantes. . "

"Cada vez mais evidaªncias sugerem que o controle dura¡vel e livre de drogas da replicação do HIV-1 éhabilitado por respostas imunes celulares eficazes", escreveu o autor principal, Dr. Xiaodong Lian, juntamente com seus colegas.

Lian e outros membros da equipe estudaram o que eles chamam de "pegadas" sutis do sistema imunológico que revelam como os controladores de elite são capazes de eliminar a infecção pelo HIV sem medicação. Dados de seu trabalho experimental sugerem que va­rus da imunodeficiência humana via¡veis ​​em controladores de elite podem enfrentar maior pressão das células do sistema imunológico. Como resultado, os va­rus são incapazes de se esquivar do formida¡vel exanãrcito do sistema imunológico.

A equipe sediada em Boston sabia, durante a pesquisa, que o sistema imunológico éum verdadeiro arsenal capaz de uma poderosa atividade antiviral. No entanto, para a maioria das pessoas infectadas pelo HIV, a resposta imunola³gica éseveramente prejudicada, razãopela qual os medicamentos antirretrovirais são essenciais para a sobrevivaªncia. As drogas atuam impedindo a replicação do va­rus.

"Rastreamos de forma abrangente [os] efeitos das respostas imunola³gicas antivirais em sequaªncias provirais intactas e defeituosas de controladores de elite", afirmou Lian no relatório, referindo-se ao estado viral em que o HIV insere seu material genanãtico no DNA de uma canãlula hospedeira.

A palavra "proviral" não éapenas a chave para entender o que Lian e seus colegas estavam estudando, mas também écrucial para entender a permanaªncia da infecção pelo HIV na grande maioria das pessoas que contraem o va­rus e dependem de medicamentos antirretrovirais. Um prova­rus éuma sequaªncia genanãtica que se integrou ao DNA do hospedeiro. Este ato furtivo permite que o va­rus permanea§a latente - e se esconda no corpo.

Em vez de se replicar como um va­rus de livre circulação, o HIV insidiosamente se replica quando a canãlula hospedeira se replica, o que significa que quando a canãlula estãoquiescente e não se replica, o HIV também não. E como a sequaªncia proviral se insinuou no DNA do hospedeiro, o sistema imunológico não éalertado sobre a presença do HIV durante esse período de lataªncia do prova­rus.

Na verdade, quando o HIV se integra ao mecanismo genanãtico do hospedeiro, colocando ca³pias de seu genoma no DNA do hospedeiro, estãocriando o que éconhecido como um reservata³rio viral.

Lian e a equipe do Ragon Institute descobriram que, para controladores de elite, a infecção por HIV funciona de maneira diferente, uma conclusão que eles tiraram estudando prova­rus intactos e defeituosos porque ambos estavam presentes nos cromossomos de controladores de elite.

Eles também descobriram que os prova­rus dos controladores tinham menos mutações do que aqueles em pessoas que requerem terapia antirretroviral. Frequentemente, as mutações evoluem para ajudar o va­rus a escapar do reconhecimento pelas células T. Outra descoberta relatada pela equipe de Ragon revelou que os prova­rus em controladores de elite eram mais propensos a ser sequestrados em regiaµes cromossa´micas onde não se replicam facilmente, mas podem ser facilmente detectados por patrulheiros do sistema imunológico.

Descobertas como essas ajudaram os imunologistas - tanto os do Instituto Ragon quanto outros ao redor do mundo - a destacar as diferenças entre os controladores de elite e as pessoas que requerem terapia antirretroviral vitala­cia.

“Estudos recentes começam a desvendar diferenças pronunciadas entre os reservata³rios virais persistentes em controladores de elite e a maioria dos indivíduos tratados com antirretrovirais”, escreveu Lian.

Todas as novas descobertas estãoajudando a desvendar um pouco do mistério subjacente ao fena´meno do controle de elite. O Ragon Institute relatou na revista Nature no ano passado que a Paciente de Sa£o Francisco, uma controladora de elite, não tinha sequaªncias provirais intactas em seu genoma. Ela estãocompletamente livre do HIV. Com base na pesquisa do Ragon Institute, isso sugere que o sistema imunológico do paciente de Sa£o Francisco pode ter eliminado completamente o reservata³rio de HIV da mulher. Os cientistas se referem a essa ocorraªncia rara como uma "cura esterilizante".

Dois outros pacientes, o falecido Timothy Brown da Califa³rnia, amplamente conhecido como o Paciente de Berlim, e Adam Castillejo do Reino Unido, que foi apelidado de Paciente de Londres, foram declarados curados do HIV. Ambos os homens, no entanto, haviam se submetido a transplantes de células-tronco para ca¢ncer, o que resultou na eliminação do va­rus por seu sistema imunológico. Brown morreu em 2020 depois que o câncer de sangue se recuperou agressivamente. Nem o Paciente Sa£o Francisco nem o Paciente Esperanza foram submetidos a um procedimento com células-tronco, também conhecido como transplante de medula a³ssea, que fornece aos pacientes um novo suprimento de sangue.

Como o Paciente de Sa£o Francisco, o Paciente Esperanza, um controlador de elite da Argentina, não tinha prova­rus do HIV intactos quando os cientistas estudaram um espantoso 1,19 bilha£o de células sanguíneas e 500 milhões de células relacionadas ao tecido. Um relatório sobre seu caso foi publicado no maªs passado por cientistas do Ragon Institute no Annals of Internal Medicine .

Todas as descobertas sugerem que, em última análise, pode haver um "caminho aciona¡vel para uma cura esterilizante" para pacientes que são incapazes de fazer isso por conta própria, disseram os cientistas do instituto, resumindo suas pesquisas sobre o Paciente Esperanza. Mais trabalho, dizem esses especialistas, estãoa  frente.

"Existe um amplo consenso de que o controle de elite livre de drogas da replicação do HIV-1 é- na maioria dos casos - mediado por fatores imunológicos do hospedeiro. No entanto, o controle de elite pode não ocorrer simplesmente devido a  presença de potentes respostas imunola³gicas antivirais para suprimir o va­rus em curso replicação ", conclua­ram Lian e colegas.

"Realizamos avaliações simulta¢neas de sequaªncias provirais individuais e suas localizações cromossa´micas correspondentes para gerar uma análise abrangente da paisagem do reservata³rio proviral de prova­rus intactos e defeituosos de controladores de elite. Essas investigações demonstraram um perfil de reservata³rio ata­pico de prova­rus intactos em controladores de elite ."

 

.
.

Leia mais a seguir