Saúde

Qua£o bons somos em encontrar soluções a³timas para problemas complexos? As pessoas podem não ser tão aptas quanto geralmente se supaµe
Um estudo publicado nesta quinta-feira (19) na revista cienta­fica Nature Human Behavior desafia as teorias predominantes sobre nossa capacidade de resolver problemas complexos e como certos transtornos mentais a influenciam.
Por Champalimaud Centre for the Unknown - 19/05/2022


Pixabay

Quem nunca sentiu a tentação de jogar um longo manual no lixo, ou simplesmente dirigir em vez de pedir informações? Afinal, seguir as instruções muitas vezes écansativo, e podemos descobrir por conta própria... Ou podemos? Um estudo publicado nesta quinta-feira (19) na revista cienta­fica Nature Human Behavior desafia as teorias predominantes sobre nossa capacidade de resolver problemas complexos e como certos transtornos mentais a influenciam.

“Pacientes que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) tem problemas com o desenvolvimento de estratanãgias sofisticadas de resolução de problemas”, disse o autor saªnior do estudo, Albino Oliveira-Maia, chefe da Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud em Portugal. "No entanto, nossa nova abordagem experimental fornece fortes evidaªncias contra essa teoria".

Duas maneiras de resolver um problema

A equipe de Oliveira-Maia fez essa descoberta ao investigar como indivíduos sauda¡veis ​​e pacientes com TOC diferem na forma como resolvem problemas. "Em geral, as pessoas usam uma combinação de duas estratanãgias complementares, conhecidas como abordagens livres de modelos e baseadas em modelos", explicou Oliveira-Maia. "Enquanto indivíduos sauda¡veis ​​usam ambas as estratanãgias de forma flexa­vel, os pacientes com TOC tendem a exercer a abordagem sem modelo".

A estratanãgia sem modelo érelativamente simples e funciona bem em ambientes esta¡veis. Por exemplo, imagine o seguinte cena¡rio: vocêtoma caféda manha£ fora todas as manha£s a caminho do trabalho. Ha¡ duas cafeterias no seu percurso: The Bean e Aroma. Como vocêprecisa estar no trabalho cedo, com o tempo, vocêaprende que a Aroma geralmente recebe seu caféda manha£ ba¡sico - croissants frescos - entregues antes da outra loja. Então, seguindo a abordagem sem modelo, vocênormalmente iria para o Aroma primeiro, e somente quando não tiver croissants, vocêiria para o The Bean.

No entanto, a abordagem livre de modelo não vai funcionar muito bem se o fornecedor croissant empregadas duas pessoas de entrega que seguiram rotas opostas. Nas semanas em que o primeiro entregador estãode servia§o, The Bean recebe os croissants mais cedo. Mas se o segundo entregador estiver trabalhando naquela semana, a Aroma os receberia primeiro.

Se vocêpudesse descobrir o modelo osque a disponibilidade de croissants depende de qual entregador estãotrabalhando naquela semana osvocêeconomizaria viagens desnecessa¡rias. Portanto, mesmo que o The Bean tenha croissants brilhantes e cedo por semanas, na primeira segunda-feira que não, vocêsaberia imediatamente que esta semana Aroma éa escolha mais segura.

“Mesmo que a estratanãgia baseada em modelo seja mais computacionalmente pesada, especialmente enquanto vocêainda estãotrabalhando o que estãoacontecendo, émais eficaz para otimizar suas ações em circunsta¢ncias complexas como a deste exemplo”, disse Oliveira-Maia.
 
Mudando as regras do jogo

Segundo Oliveira-Maia, os estudos cienta­ficos que avaliam essas estratanãgias aplicam rotineiramente um quebra-cabea§a chamado tarefa em duas etapas, que ésemelhante ao segundo cena¡rio, mais complexo.

"Esses estudos mostraram que indivíduos sauda¡veis ​​usam uma mistura da estratanãgia mais simples sem modelo com a estratanãgia mais complexa baseada em modelo ao resolver esses tipos de tarefas. Em contraste, pacientes com TOC tendem a ficar com a estratanãgia menos eficiente. A razãoéque os pacientes com TOC são extremamente habituais e, portanto, tendem a repetir ações mesmo que não sirvam a um propa³sito útil", explicou Oliveira-Maia.

Embora essa conclusão parea§a direta e consistente, háum poranãm. Como as tarefas usadas nesses estudos são geralmente muito complexas, os sujeitos do teste sempre recebem uma explicação completa do modelo antes de comea§ar. No entanto, ninguanãm jamais havia testado rigorosamente o efeito dessas instruções preventivas - particularmente sua ausaªncia - na estratanãgia de resolução de problemas dos sujeitos.

Para descobrir como as pessoas se sairiam apenas com a experimentação livre, a equipe de Oliveira-Maia fez uma parceria com Thomas Akam, um neurocientista atualmente na Universidade de Oxford que havia desenvolvido recentemente uma tarefa de duas etapas para ratos.

"Como não se pode instruir verbalmente os camundongos, Thomas criou uma tarefa bastante simples para que os animais consigam decifrar o modelo por tentativa e erro. Em seu artigo de pesquisa, publicado na revista Neuron hápouco mais de um ano, Thomas mostrou que os camundongos eram realmente capazes de desvendar o quebra-cabea§a. Então decidimos ajustar essa tarefa para humanos e testar se os sujeitos adotariam naturalmente uma estratanãgia baseada em modelos, como geralmente se supaµe", contou o ex-doutorando Pedro Castro-Rodrigues, o primeiro co- -autor do estudo.

Os resultados do experimento pegaram os pesquisadores de surpresa. "Mesmo com vasta experiência com a tarefa, apenas uma pequena minoria do grupo de 200 indivíduos desenvolveu uma estratanãgia baseada em modelos. Isso éimpressionante, dada a relativa simplicidade da tarefa e sugere que os humanos são surpreendentemente pobres em aprender modelos causais apenas com a experiência. ”, comentou Castro-Rodrigues.

Pacientes com TOC combinam com indivíduos sauda¡veis

Ao final da terceira sessão, os pesquisadores dividiram os sujeitos em dois grupos. Um grupo recebeu a descrição completa de como o quebra-cabea§a funciona, enquanto o outro não. Em seguida, os pesquisadores realizaram uma quarta e última sessão para testar o efeito de receber instruções na abordagem de resolução de problemas dos sujeitos.

A diferença entre os dois grupos era clara: quase todos os sujeitos do grupo "explicação" - tanto voluntários sauda¡veis ​​quanto pacientes com TOC - adotaram uma estratanãgia baseada em modelo. Por outro lado, a maioria dos sujeitos de teste do outro grupo continuou com a abordagem sem modelo.

"Esses resultados foram fascinantes", disse Ana Maia, doutoranda que participou do estudo. "Eles não apenas revelaram que a explicação desempenha um papel mais importante do que se pensava anteriormente, mas também que, dado o conjunto certo de condições, os pacientes com TOC são de fato tão capazes de resolver uma tarefa de duas etapas quanto indivíduos sauda¡veis".

Qual éa razãopara a discrepa¢ncia nos resultados entre este estudo e os anteriores? Segundo os autores, existem várias explicações possa­veis. A primeira éque a tarefa era relativamente simples, assim como as instruções. "Como as tarefas cla¡ssicas de duas etapas tendem a ser muito intrincadas, as explicações também são muito complexas. Então vocêpode imaginar que uma pessoa gravemente doente e angustiada tera¡ mais dificuldade em processar esse tipo de informação", explicou Oliveira-Maia.

Outra hipa³tese intrigante éque comea§ar com a experimentação livre faz a diferença. a‰ possí­vel que as três sessaµes não guiadas tenham preparado efetivamente os pacientes para a explicação?

"Na³s não testamos diretamente essa questãoneste estudo, mas hálgumas dicas de que pode ter sido o caso. Se estudos futuros apoiarem essa hipa³tese, eles podem atélevar ao desenvolvimento de novos tratamentos psicoterapaªuticos e comportamentais para pacientes com TOC. e talvez outros distúrbios de saúde mental também", sugeriu Castro-Rodrigues.

Pra³ximos passos

A equipe continua a explorar esse ta³pico por várias vias. "Neste projeto, também coletamos dados de imagem de indivíduos que executam a tarefa dentro de um scanner de ressonância magnanãtica. Portanto, nosso acompanhamento mais imediato seria procurar os correlatos neurais associados a  transição de uma estratanãgia para outra após receber um explicação", disse Castro-Rodrigues.

“O trabalho de Pedro estãoparcialmente inscrito em um empreendimento maior do laboratório oso projeto Neurocomp”, acrescentou o coautor Bernardo Barahona-Corraªa, psiquiatra da Fundação Champalimaud. "Este projeto, que estou liderando com Albino, investigara¡ muitos aspectos do TOC, focando particularmente em uma regia£o do cérebro chamada cortex orbitofrontal. controle de ação baseado em tarefas como a que usamos neste experimento."

"Em última análise, esses resultados destacam a importa¢ncia de explicações expla­citas na aprendizagem", destacou Oliveira-Maia. "Parece que a exploração livre pura pode não ser o caminho mais eficiente para obter novos conhecimentos. Na verdade, comecei a conversar com meus filhos sobre isso", acrescentou ele brincando" "dizendo a eles para prestarem atenção aos professores ."

 

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