O carcinoma hepatocelular (CHC) corresponde a 90% das neoplasias primárias de fígado. É a quarta causa de morte associado ao câncer no mundo. O principal tratamento é o transplante hepático
EDIMILSON MONTALTI / PÉRICLES LIMA
A pesquisa Transplante hepático por carcinoma hepatocelular: o impacto dos níveis de AFP, de Beatriz Cipriano Ribas, foi a vencedora na categoria cirurgia do XXXI Congresso Médico Acadêmico da Unicamp (CoMAU), ocorrido no dia 4 de novembro no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade. A orientação foi da professora do Departamento de Cirurgia da FCM e superintendente do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, Elaine Cristina de Ataíde.
O estudo avaliou se há correlação entre os valores de AFP – marcador molecular no pré-operatório de transplante hepático –, a recidiva tumoral e a sobrevida de pacientes submetidos a transplante hepático. Foram considerados para a pesquisa observacional e retrospectiva 214 pacientes submetidos a transplante de fígado no HC da Unicamp no período de 1º de janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2019. A idade dos pacientes variou de 34 a 77 anos, sendo 75,7% do sexo masculino e 24,3% do sexo feminino.
“O principal resultado de nossa pesquisa foi o achado de que o valor de AFP é uma variável independente que se associa à recidiva tumoral com valor estatisticamente relevante. Isto é, ela não precisa estar associada a outras variáveis como características biológicas do tumor e a quantidade ou tamanho de nódulos no fígado explantado”, explica Beatriz, aluna do sexto ano de Medicina.
O carcinoma hepatocelular (CHC) corresponde a 90% das neoplasias primárias de fígado. É a quarta causa de morte associado ao câncer no mundo. O principal tratamento é o transplante hepático. Contudo, a escassez de órgãos e o risco de recidiva tumoral dificultam sua eficácia. Os critérios de Milão estabelecem como deve ser a seleção padrão de pacientes com CHC para o transplante hepático. Os critérios são: lesão única com até 5 centímetros ou até três lesões todas inferiores a 3 centímetros sem invasão macrovascular ou metástases que possam ser detectadas.
Todavia, estudos publicados nas últimas décadas criticam esse critério, tanto por considerá-lo restritivo quanto pelo fato de esse critério não levar em conta o índice biológico tumoral. Níveis elevados de AFP têm sido correlacionados a uma menor taxa de sobrevida, a uma maior recidiva tumoral e a tumores pouco diferenciados.
De acordo com a pesquisa, o nível sérico de AFP antes do transplante variou de 0,83 a 23.900 ng/ml. Já o maior valor de AFP antes do transplante variou de 1,56 a 60.500 ng/ml. O estudo mostrou que houve recidiva em 18 dos pacientes analisados (8,4%). Apesar da associação positiva entre AFP e recidiva tumoral, não houve correlação entre o valor de AFP e sobrevida do paciente, segundo observado pela pesquisadora. Somente idade, número de nódulos no exame de imagem pré-transplante, número de segmentos acometidos no fígado e tamanho do maior nódulo no exame anatomopatológico foram fatores estatisticamente significativos para essa associação. “Nosso estudo mostrou que os níveis de AFP parecem realmente impactar na recidiva de pacientes de transplante de fígado. O valor de AFP no momento da listagem, antes do transplante, deve ser considerado um indicador para a possibilidade de recidiva tumoral”, comenta Beatriz.
Considerando a necessidade cada vez maior de órgãos para transplante e a importância de incluir características biológicas evolutivas do tumor na seleção de pacientes com menor risco de recidiva de CHC, a orientadora da pesquisa, Elaine Cristina de Ataíde, afirma que “um modelo que inclua a AFP como marcador tumoral de agressividade, além de tamanho e quantidade de nódulos, seria benéfico a fim de melhorar a seleção dos pacientes contemplados com o transplante de fígado e seu prognóstico futuro”. A pesquisa teve financiamento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
CoMAU
O XXXI Congresso Médico Acadêmico da Unicamp (CoMAU) foi promovido pelo Diretório Científico Adolfo Lutz, que agrupa os cursos de Enfermagem, Fonoaudiologia e Medicina. Após dois anos ocorrendo de maneira virtual, o CoMAU retornou este ano ao formato presencial, com palestras, workshops e a apresentação e premiação de trabalhos acadêmicos na área da Saúde. Após a cerimônia de abertura, houve uma aula magna com Silvia Brandalise, fundadora do Centro Infantil Boldrini.
A superintendente do HC da Unicamp, Elaine Cristina de Ataíde, compôs a mesa de abertura do CoMAU juntamente com outras autoridades. Durante seu discurso, Elaine manifestou sua admiração por Silvia na qualidade de gestora. “Não posso deixar de reconhecer, sendo ela a primeira mulher eleita superintendente do HC, a participação da Silvia, que também foi minha professora e uma inspiração pessoal ao fundar um hospital com tanta excelência”, disse.
A respeito do Congresso, a superintendente do HC afirmou que “eventos como esse vêm crescendo ao longo dos anos, ficando cada vez mais profissionais e robustos, o que nos traz alegria como professores. Estamos formando médicos brilhantes, aptos a propagar tudo aquilo em que a ciência pode beneficiar a saúde da população brasileira”.
Premiação
O CoMAU é o maior evento científico da Unicamp totalmente organizado por alunos. O Congresso tem grande importância no cenário nacional, reunindo reconhecidos profissionais e pesquisadores do país, como palestrantes e avaliadores dos trabalhos apresentados. A programação é destinada a alunos de graduação, residentes, doutorandos e demais profissionais de saúde.
Neste ano, o CoMAU foi dividido nos módulos: Clínica Médica, Saúde Coletiva e Saúde Mental, Saúde da Mulher, Saúde do Homem, Saúde da Criança e do Adolescente, Cirurgia e Procedimentos, Cuidado Multidisciplinar na Saúde e Gestão, Tecnologias e Atualidades na Saúde Primária. Os módulos têm foco multidisciplinar, permitindo a discussão dos temas a partir das diferentes visões dos profissionais de saúde. Além disso, houve premiação dos melhores trabalhos em nove categorias.
Cepid OCRC
Na categoria Ciência Básica, o vencedor foi Caio Fernando Biolcatti, com a pesquisa A gestação como fator protetor contra alterações da microbiota intestinal associadas à obesidade. A orientação foi do professor Licio Velloso, coordenador do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC). O OCRC é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) sediado na Unicamp.