Tecnologia Científica

Pesquisadores do UFMG patenteiam técnica que bloqueia crises epilanãticas
Manãtodo dispensa o uso de fa¡rmacos e não prejudica a atividade normal dos neura´nios
Por Matheus Espíndola - 18/09/2019

Foto Lisboa | UFMG
Ma¡rcio Fla¡vio Dutra: contribuição de cara¡ter pouco ortodoxo para bloquear crises epilanãticas

A epilepsia éuma desordem neurola³gica crônica associada a  hiperexcitabilidade do tecido encefa¡lico, que predispaµe a um estado patola³gico de excessiva sincronia neural. Os sintomas podem incluir alucinações, alterações de humor e perda de ta´nus muscular, mas sua expressão mais perigosa éa crise convulsiva. Na maior parte dos casos, o tratamento ébaseado no uso farmacola³gico de inibidores da atividade sina¡ptica ou na remoção cirúrgica da área do cérebro afetada.

“Esse ‘desligamento’ forçado das conexões cerebrais éeficaz para bloquear a atividade exacerbada que caracteriza as convulsaµes, mas outras funções podem ser prejudicadas. O indiva­duo pode ficar sonolento e apresentar falhas de memória e racioca­nio”, explica o professor do Departamento de Fisiologia e Biofa­sica do ICB Ma¡rcio Fla¡vio Dutra Moraes, que coordena o Naºcleo de Neurociências (NNC) da UFMG.

Segundo o pesquisador, a estimulação do circuito neural por meio de correntes elanãtricas em alta frequência éuma das técnicas utilizadas atualmente no bloqueio das crises convulsivas, mas a terapia gera o risco de lesões e demanda intervenções cirúrgicas para manutenção.

Em parceria com o Laborata³rio Interdisciplinar de Neuroengenharia de Neurociências (LINNce), da Universidade Federal de Sa£o Joa£o del-Rei (UFSJ), pesquisadores do NCC vão desenvolvendo uma técnica de estimulação elanãtrica projetada justamente para maximizar o potencial de interferaªncia na sincronia neural patola³gica. Batizada de NPS (non-periodic stimulation), a terapia tem fundamento na constatação de que épossí­vel bloquear a propagação da atividade epilanãtica formando rua­dos que atrapalham a transmissão exacerbada entre neura´nios.

Segundo Ma¡rcio Fla¡vio, a lógica reside na compreensão de que várias redes neurais precisam se acoplar funcionalmente, de forma transita³ria, por meio da sincronização das atividades de estruturas distintas, para que o cérebro execute suas funções cotidianas. “A crise epilanãtica tem origem em perturbações que levam a um recrutamento indevido das redes neurais. Para evita¡-la, énecessa¡rio interromper esse ciclo”, afirma.

A lógica reside na compreensão de que várias redes neurais precisam se acoplar funcionalmente, de forma transita³ria, por meio da sincronização das atividades de estruturas distintas, para que o cérebro execute suas funções cotidianas.


Frequaªncia ‘baguna§ada’ 


O sistema NPS funciona em duas etapas, realizadas pelo mesmo dispositivo. A primeira consiste na detecção de algum excesso na comunicação. “Momentos antes da crise, uma rede de neura´nios passa a transmitir informações de forma indiscriminada. Um aºnico e breve esta­mulo elanãtrico pode ser usado para ‘sondar’ a rede e detectar que ela estãocomea§ando a operar fora de controle”, explica Ma¡rcio Fla¡vio.

Em um segundo momento, o aparelho emite pulsos em uma frequência “baguna§ada” capaz de perturbar a comunicação, evitando que os focos de crise se espalhem. “A transferaªncia entre áreas do cérebro requer sincronismo de disparos. Durante a crise epilanãptica, esse sincronismo éexcessivo. Ao provocar um rua­do, que chamamos de estimulação elanãtrica não estruturada no tempo, o sistema interrompe essas oscilações patola³gicas e o recrutamento de outras áreas”, detalha Ma¡rcio Fla¡vio.

Segundo o professor, em alguns casos, a interferaªncia também pode ser feita por som, luz ou esta­mulo ta¡til. “O procedimento éana¡logo: emito um som que deveria ir para as áreas A, B e C, mas nunca para D. Se ele se propagou para D, hálgo errado com o circuito, indicando que devo agir para bloquear uma possí­vel crise epilanãptica”, ilustra o professor. O experimento, atéentão materializado em um prota³tipo, devera¡ ser desenvolvido na forma de um dispositivo minaºsculo, para ser implantado de forma definitiva no organismo do paciente. 

O primeiro teste da nova técnica foi realizado ainda em 2005, em crises agudas de animais, durante o doutorado de Vina­cius Rosa Cota (atual coordenador do LINNce), orientado, a  anãpoca, por Ma¡rcio Fla¡vio. A patente foi depositada em 2006. Traªs anos depois, o primeiro artigo cienta­fico foi publicado na revista Epilepsy & Behavior. Desde então, várias publicações demonstraram a eficácia da NPS em diferentes modelos animais de epilepsia. Em julho passado, os pesquisadores receberam a carta-patente da invenção.

De acordo com Ma¡rcio Fla¡vio, o pra³ximo passo éfazer a prospecção de parceiros do setor privado interessados na transferaªncia e aplicação da tecnologia. “A NPS éuma contribuição de cara¡ter pouco ortodoxo, para a qual, atéentão, ninguanãm estava se atentando. Ela pode solucionar um problema muito sanãrio osque acomete de 1 a 2% da população mundial –, tornando perigosa a realização de atividades simples do dia a dia e afeta significativamente a qualidade de vida”, observa.

 

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