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Inda­genas Tupiniquim de Aracruz (ES) são descendentes diretos de povo que viu chegada dos portugueses
Ana¡lise genanãtica resgatou trajeta³ria do primeiro povo a entrar em contato com portugueses e trouxe achados sobre a dispersão dos grupos falantes do tupi-guarani pelo Paa­s
Por Matheus Souza - 28/01/2020


Jovens Tupiniquim comemoram demarcação de terras em Aracruz, 2007
Foto: Valter Campanato / Agência Brasil

Ana¡lises genanãticas realizadas por cientistas da USP permitiram trazr a trajeta³ria dos inda­genas Tupiniquim que habitam Aracruz, no Espa­rito Santo, e concluir que eles tem a mesma linhagem genanãtica do grupo que povoava o litoral brasileiro na anãpoca da chegada dos portugueses, no século 16. Eles possuem 51% de DNA nativo americano, 26% europeu e 22% africano.

Comparados com outros grupos anãtnicos analisados, os Tupiniquim de Aracruz não apresentam miscigenação com outras etnias inda­genas, o que indica que são descendentes diretos dos primeiros Tupiniquim. Com os dados, também foi possí­vel estimar as datas em que ocorreram os principais eventos de miscigenação do grupo com europeus e africanos, entre os séculos 18 e 19. O levantamento traz novos inda­cios de como se deram as transformações nas populações inda­genas brasileiras, passando pela pola­tica de exterma­nio do período pa³s-colonização, que dizimou grande parte delas.

A pesquisa foi liderada pela professora Ta¡bita Ha¼nemeier, do Departamento de Genanãtica e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências (IB) da USP. O primeiro autor do artigo, Marcos Araaºjo Castro e Silva, éseu aluno de doutorado. Além deles, também participaram cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os resultados estãono artigo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Hista³ria não contada

Para encontrar os resultados, os cientistas compararam dados gena´micos dos Tupiniquim com os de outros inda­genas de diferentes regiaµes do Brasil. O genoma éo conjunto de todas as informações genanãticas contidas no DNA de um indiva­duo, e a partir dele épossí­vel observar asmudanças ocorridas entre indivíduos e entre populações, bem como entre diferentes gerações. Dessa forma, pode-se estimar o quanto cada indiva­duo possui de contribuição genanãtica inda­gena, europeia, africana ou de qualquer outra origem, de acordo com a base de dados para comparação.

A cada nova geração, “blocos” de informação genanãtica va£o se recombinando e mudando de tamanho, e éessa diferença que permite calcular o momento em que ocorreram alguns fena´menos como a miscigenação. “O tamanho desses ‘blocos’ tem uma relação direta com o tempo, algo que pode ser estimado por ca¡lculo matema¡tico”, explica Marcos. “Então, pelo tamanho épossí­vel identificar háquanto tempo aconteceram determinados eventos.”

O primeiro período de miscigenação dos Tupiniquim foi com os europeus, e coincidiu com o chamado Ciclo do Ouro, na primeira metade do século 18. Naquela anãpoca, com os bandeirantes em busca de minerais preciosos no interior do Brasil, houve um crescimento massivo da escravida£o inda­gena. Depois, com a chegada da familia real portuguesa no ini­cio do século 19, um número maior de africanos passa a ser trazido para o Brasil como escravo, e aumenta a incidaªncia de miscigenação entre as populações Tupiniquim com as diferentes etnias vindas da áfrica. Por fim, o terceiro ciclo, que os pesquisadores consideram perdurar atéhoje, tem ini­cio com a abolição da escravida£o, quando cresce a população negra livre e háum grande número de europeus vindo ao Paa­s como imigrantes.

Como aponta Ta¡bita, os resultados ajudam a preencher algumas lacunas e jogam luz sobre o hista³rico de violência, inclusive sexual, que foi reservado aos povos inda­genas ao longo da formação do Paa­s. “A história inda­gena, no Brasil, não costuma ser contada”, comenta a professora.

Rotas de dispersão

Uma outra descoberta trazida pelo estudo diz respeito a  dispersão dos grupos falantes do tupi-guarani pelo Brasil. Origina¡rios da floresta amaza´nica, eles se espalharam por todo o territa³rio, desde o litoral atéonde hoje éo Rio Grande do Sul.

Existem duas principais hipa³teses de como se deu essa movimentação, baseadas em evidaªncias lingua­sticas e arqueola³gicas. A primeira delas indica que essas populações partiram juntas em descida pelo territa³rio atéa regia£o da fronteira com o Paraguai, e ali se dividiram, uma parte continuando pelo sul, que daria origem a  etnia Guarani (Tupi-Guarani do sul), e outra para o litoral, onde surgiriam os Tupiniquim (Tupi-Guarani da costa). Já a segunda hipa³tese éde que essas duas ramificações tiveram ini­cio ainda na Amaza´nia, e os povos teriam partido de la¡ já como grupos independentes osos Guarani direto para o sul, e os Tupiniquim (junto com Tupinamba¡ e outros Tupi costeiros) para o norte e em seguida o litoral.

A análise genanãtica indica que a segunda hipa³tese éa mais prova¡vel. Para chegar a essa conclusão os pesquisadores utilizaram a filogenia, ou seja, a história evolutiva, das populações inda­genas de diferentes regiaµes do Brasil atual, inclusive os Tupiniquim de Aracruz. “Com base nas filogenias que seriam esperadas pelas duas hipa³teses, épossí­vel ter uma expectativa de como seriam as relações de parentesco genanãtico entre as populações”, explica a professora Ta¡bita. “Assim, foi possí­vel comparar essa expectativa com o que foi observado nas amostras de DNA, e ver qual hipa³tese melhor se encaixava.”

Quem são os Tupiniquim

Antes da vinda dos portugueses, o número de pessoas que povoava a regia£o do Brasil chegava aos 3 milhões, com cerca de 900 mil distribua­das ao longo da costa, conforme registra o artigo publicado na PNAS. Foram chamados de Tupiniquim os primeiros inda­genas que os colonizadores encontraram ao desembarcar no litoral.

Como explica Glauco Constantino Perez, doutor em arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, os Tupiniquim fazem parte dos chamados grupos Tupi, que englobam os falantes de todas as la­nguas derivadas do tronco lingua­stico tupi. “Quando se diz Tupiniquim, fala-se de pessoas que ocupavam o planalto paulista, talvez o sul mineiro e também a regia£o do Espa­rito Santo”, complementa o pesquisador.


De acordo com os estudos arqueola³gicos, os grupos Tupi originaram-se na floresta amaza´nica, e parte deles migrou para outras regiaµes, chegando ao litoral atla¢ntico entre 1 e 3 mil anos atrás. Nessa anãpoca, eles já eram agricultores e produtores de cera¢mica. O motivo da dispersão do territa³rio não étotalmente conhecido, mas uma das hipa³teses mais difundidas éde que tenha ocorrido como consequaªncia do crescimento populacional: conforme o número de pessoas aumentava, naturalmente surgia a necessidade de ocupar outras áreas, e essas divisaµes foram dando origem a novas variações lingua­sticas e culturais. Outras hipa³teses trabalham ainda com a possibilidade de que as dispersaµes tenham sido influenciadas também por questões climáticas.


 

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