Tecnologia Científica

Produto ajuda a entender melhor na bancada como coronava­rus age em pacientes de verdade
A TissueLabs que atua na fabricaça£o de órgãos e tecidos em laboratório, criou uma plataforma que imita em cultura celular microambiente dentro dos pulmaµes, permitindo estudar a covid-19 de maneira mais fiel a  realidade no organismo
Por Luiza Caires - 31/05/2020


Produto ajuda a entender a ação do coronava­rus osImagem: Divulgação/TissueLabs

TissueLabs, a startup brasileira da Incubadora USP/Ipen-Cietec que atua na fabricação de órgãos e tecidos em laboratório, direcionou toda sua equipe cienta­fica para o desenvolvimento de uma plataforma que permite estudar a covid-19 no epitanãlio pulmonar, um dos tecidos mais afetados pela doena§a, ao que tudo indica atéagora. Chamada de MatriWellâ„¢, o produto estãosendo distribua­do gratuitamente para pesquisadores que estudam o novo coronava­rus, permitindo que sejam personalizados o tipo e a origem das células usadas. Assim, épossí­vel utilizar células de pacientes com comorbidades, isto anã, outras doena§as, como asma e DPOC (Doena§a Pulmonar Obstrutiva Cra´nica), para criar tecidos tridimensionais personalizados, e investigar como o va­rus age nesses pacientes específicos, ou como as medicações de que eles fazem uso interferem na evolução da covid-19.

Com o uso da plataforma, a canãlula fica exposta exatamente ao mesmo microambiente em que ficaria se ela estivesse no pulma£o. E isso significa que épossí­vel ter resultados muito mais fianãis ao mundo fora do laboratório oshoje, a cada oito drogas que va£o para ensaios clínicos, são uma éaprovada, e isso acontece também porque as fases de estudos in vitro são muito pouco representativas do tecido humano. “Com este tipo de plataforma, esperamos aumentar o número de medicamentos aprovados, reduzindo custos com material, recursos humanos e atéo uso de animais”, comemora o CEO da TissueLabs e pesquisador da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) Gabriel Liguori.

Liguori conta que um dos hidroganãis fabricados pela empresa épara pulma£o, então a equipe já tinha algum conhecimento em matrizes para o a³rga£o. “Mas eram para cultivo de tecido parenquimatoso, de células em trêsDimensões . Quando falamos de cultivo de epitanãlio pulmonar, ou seja, o tecido que vai estar em contato com o va­rus, que éo que gostara­amos de estudar melhor, não podemos cultivar a canãlula da mesma maneira que os tecidos parenquimatosos.” Isso porque, explica ele, no epitanãlio pulmonar as células estãodispostas em duasDimensões e, no topo delas existe o ar, do fluxo do pulma£o, e na base, a matriz extracelular, ou seja o tecido de apoio.

Quando éfeita uma cultura tradicional nas placas, por exemplo, com essas células epiteliais, tem-se um microambiente muito diferente do que a canãlula vai encontrar no tecido real. Elas ficam em contato direto com o pla¡stico da placa, que tem uma extrema dureza, enquanto que, no nosso corpo, os tecidos são da ordem de mil a um milha£o de vezes mais moles, e são isso já éum fator que faz toda diferença para as células. “Elas se comportam de maneira bem diferente do ambiente nativo. E no pla¡stico elas também não tem gradientes de citocinas, componentes de nutrientes, oxigaªnio, ficando imersas em la­quido e sem contato com o ar”, explica. Por isso, a startup desenvolveu a plataforma, que tenta imitar o mais pra³ximo possí­vel, in vitro, o que a canãlula encontra no tecido pulmonar. “a‰ um inserto que a gente coloca dentro da placa de cultura onde as células são cultivadas, no topo de um hidrogel com matriz extracelular. Ou seja, a base da canãlula estãoem contato com a matriz que ela teria contato no tecido do paciente e, no topo, fica em contato com o ar".

Em uso

A plataforma MatriWellâ„¢ já estãodispona­vel gratuitamente. Qualquer pesquisador que trabalhe com covid-19 pode solicitar o produto pelo site e, em atétrês semanas, recebe 12 dispositivos para diferentes tipos de estudos. Trata-se do material em si, e não um modelo ou projeto que poderia ser reproduzido. “Como já há matriz celular, temos que mandar pronto”, diz Liguori, ao relatar que já hágrupos de cientistas fazendo uso dela em suas pesquisas, coletando os primeiros resultados, que parecem ser promissores.

“Uma pesquisa da Unifesp, por exemplo, estãotentando entender como as medicações usadas para hipertensão, e que são inibidores enzima ECA, interferem na expressão dessa protea­na (ECA), que éa mesma que fica no topo da canãlula e permite ao va­rus entrar”, conta.

Outra vertente em que a plataforma pode ser aplicada são os estudos que procuram entender como pacientes com DPOC, fibrose pulmonar ou com asma, por exemplo, respondem ao va­rus, e se alguma medicação especa­fica de que eles fazem uso poderia mudar a maneira como o va­rus afeta a canãlula.

“O pesquisador consegue isolar as células especa­ficas desses pacientes, e a gente manda a plataforma na qual ele coloca essas células para analisar como aquela doença responde ao va­rus. Nãosão um epitanãlio pulmonar genanãrico, mas um epitanãlio pulmonar personalizado. Da¡ para simular o que for necessa¡rio”, diz o médico, acrescentando que recebe feedback destes pesquisadores que permite a  plataforma ser melhorada. “A versão que estamos mandando já foi atualizada a partir de pedidos que os primeiros usuários fizeram”, diz.


Manãdico formado na USP, ao terminar a graduação Gabriel Liguori foi direto para um doutorado na Holanda, na área de fabricação de órgãos e tecidos em laboratório, focado em produção de vasos sangua­neos. Ele estudou durante dois anos diversos manãtodos de produção de tecido em laboratório. Um deles chama-se bioimpressão, que ébasicamente impressão 3D em que, em vez de imprimir em pla¡stico, se imprime num hidrogel com as células-tronco ou já diferenciadas desejadas para determinado tecido. “No final do doutorado, em 2019, vi que eu queria empreender: a vontade de transformar essas pesquisas em algo aplica¡vel foi maior, e fundei, junto com o Emerson, pesquisador de engenharia, a TissueLabs. Depois o Victor, estudante de Medicina da USP e pesquisador de um laboratório do Incor, se juntou a nós, vendendo insumos para pesquisadores com interesse na fabricação de órgãos e tecidos em laboratórios”, relembra.

“O nosso grande objetivo, la¡ na frente, éser uma empresa que fabrica e comercializa esses órgãos para transplante, mas sabemos que isso vai levar um tempo”, descreve, ressaltando que pesquisadores do mundo inteiro ainda enfrentam desafios para chegar a órgãos complexos e de grande porte, como pulmaµes, rins, coração, que tem diversos tipos de tecido dentro deles. “Hoje conseguimos desenvolver e aplicar em modelos animais tecidos mais simples, como pele, cartilagem, valvas carda­acas e tecidos de pequeno porte como vasos sangua­neos de 1 ou 2 centa­metros”, diz. Isso porque os vasos tem uma função relativamente simples, precisando apenas suportar uma pressão sanguínea e, no caso de vasos arteriais, contrair sob esta­mulo de substâncias como a adrenalina.

Para financiar as pesquisas, os cientistas desenvolveram um modelo de nega³cios baseado em insumos, disponibilizando para outros colegas os mesmos materiais que usam em suas próprias pesquisas. “Assim aprendemos mais destes materiais e conseguimos ter uma fonte de renda. Comea§ando vendendo hidroganãis, cultura celular tridimensional e bioimpressão 3D. A pesquisa que resultou num desses hidroganãis, inclusive, foi premiada internacionalmente“, conta. Os hidroganãis, compara o médico, estãopara os tecidos como os tijolos estãopara o cimento na construção de uma casa. “Sa£o hidroganãis de matriz extracelular que chamamos de tecido-específicos, com um gel especial para fa­gado, outro para rim, e assim por diante, totalizando 16 tipos que temos hoje.”

Com o tempo, a startup abriu outra linha de produtos, como uma bioimpressora 3D para pesquisadores que trabalham com fabricação de órgãos e tecidos. “No meio dessa pandemia de covid-19 a gente viu a possibilidade de dar nossa contribuição criando um produto que fosse ajudar quem estãotentando entender como funciona o novo coronava­rus, possa­veis vacinas e terapias.”

 

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