Tecnologia Científica

A lagosta de 75 milhões de anos
Museu Nacional, em parceria com outras instituia§aµes, anuncia a descoberta de mais uma espanãcie na Anta¡rtica
Por Patrícia da Veiga - 19/08/2020


Desenho reproduz o animal em seu ambiente | Imagem: Maura­lio Oliveira (Museu Nacional/UFRJ)

O Museu Nacional (MN) anunciou na quinta-feira (13/8) uma nova descoberta na Pena­nsula Anta¡rtica. Trata-se de uma espanãcie de lagostim atéentão desconhecida, apesar de outras do mesmo gaªnero já terem sido identificadas no continente. A Hoploparia echinata provavelmente viveu no período Creta¡ceo, hácerca de 75 milhões de anos, em ambiente marinho raso e com fundo arenoso. A novidade foi publicada no peria³dico Polar Research.

Participaram do estudo pesquisadores do MN; do Museu de Paleontologia Pla¡cido Cidade Nuvens, vinculado a  Universidade Regional do Cariri (Urca); da Universidade do Contestado (UnC); e da Universidade Federal do Espa­rito Santo (Ufes) ostodos integrantes do projeto Paleoantar. Os fa³sseis foram encontrados na ilha James Ross, em 2016, durante a 34ª Operação Anta¡rtica (Operantar).

Ao longo dos últimos quatro anos, os sedimentos receberam tratamento em laboratório e forneceram informações para que o animal pudesse ser reconstrua­do. Sob o contraste de luz ultravioleta, foi possí­vel notar pina§as espalmadas e amplas, que supostamente capturavam peixes e outros organismos. Os pesquisadores acreditam que, semelhante a outros lagostins, a Hoploparia echinata deveria cavar tocas e ser um predador de emboscadas.

Na fotografia do fa³ssil, setas apontam para detalhes das patas do animal
Imagem: Paleoantar (Museu Nacional/UFRJ)

“Possivelmente esse animal não vivia em grandes comunidades, atéporque os lagostins normalmente são animais territorialistas. Eventualmente eles podem conviver com outros, como na anãpoca da reprodução ou quando se alimentam de carcaças disponí­veis no fundo do oceano. Sa£o interpretações ecola³gicas a partir do material coletado, das suas formas morfola³gicas e do ambiente onde o material foi encontrado”, descreveu William Santana, pesquisador visitante da Urca.

A classificação do lagostim vem do latim echinatus, que significa “espinhoso” e éuma das principais caracteri­sticas da espanãcie. Já a atribuição ao gaªnero ocorre pela ornamentação da carapaa§a, que possui um padrãode sulcos. “Apesar de não ter representantes atuais, os fa³sseis desse gaªnero de lagostim foram encontrados em camadas de diferentes partes do mundo, totalizando 67 espanãcies. Entretanto, no continente Anta¡rtico, eram conhecidas, atéo momento, apenas três espanãcies, sendo essa uma nova”, explicou Allysson Pinheiro, diretor do Museu de Paleontologia Pla¡cido Cidade Nuvens.

“A descoberta dessa nova espanãcie de Hoploparia certamente não seráa única do grupo. Em 2018, os pesquisadores estiveram durante 50 dias em parte da ilha James Ross, onde foram coletados dezenas de fa³sseis de lagostas e outros crusta¡ceos que estãoem estudo. Certamente, em breve, teremos novidades sobre esse grupo de animais que viveram na Anta¡rtica durante o período Creta¡ceo”, acrescentou Alexander Kellner, paleonta³logo e diretor do MN.


Reconstruindo o fa³ssil

Apa³s a descoberta, os fa³sseis passaram por triagem no MN e foram encaminhados aos pesquisadores parceiros. No Laborata³rio de Paleontologia da Urca, o pesquisador alamo Saraiva retirou rochas que recobriam partes do material. “Foi um trabalho difa­cil, pelo fato de se tratar de um exemplar preservado em um calcarenito muito duro. Portanto, identificar as estruturas dobradas umas sobre as outras foi um trabalho de muita paciaªncia”, comentou.

Ao voltar ao MN, a reconstrução arta­stica ficou a cargo do paleoartista Maura­lio Oliveira, que levou em consideração as caracteri­sticas do animal e informações sobre seu habitat. “Reconstruir a Hoploparia foi um grande desafio artistico e cienta­fico, que exigiu o uso de várias técnicas, como desenho, pintura e escultura, além da observação cuidadosa do fa³ssil”, descreveu.


Esboa§o do lagostim, feito por Maura­lio Oliveira |
Imagem: Museu Nacional (MN/UFRJ)

O continente

A ilha James Ross, na anãpoca do fa³ssil, era diferente. Ha¡ aproximados 75 milhões de anos, a área estava coberta pelo mar, tinha variedade de fauna (tubaraµes, corais, ranãpteis) e temperaturas mais elevadas do que as registradas atualmente. A grande “quebra” na porção sul do supercontinente Pangeia já havia acontecido, mas a distribuição dos continentes e as correntes marinhas eram outras.

Segundo o gea³logo Luiz Carlos Weinscha¼tz, do Centro Paleontola³gico da UnC, a geologia ajuda a “ler” os capa­tulos da história da Terra, permitindo compreender os acontecimentos de cada anãpoca. “Vale ressaltar que o conhecimento geola³gico da Anta¡rtica émuito recente: faz apenas 200 anos que o ser humano chegou ao continente e apenas 40 anos que brasileiros fazem pesquisas por la¡. Por ser recoberta por 98% de gelo, sendo comuns as condições climáticas adversas, o acesso tem loga­stica complicada e cara. Tudo isso dificulta o desenvolvimento de pesquisas em terras austrais. Muito já se fez, mas ainda temos muito para fazer”, afirmou Weinscha¼tz.

O continente gelado | Foto: Paleoantar (Museu Nacional/UFRJ)

A Anta¡rtica éconsiderada a última fronteira do conhecimento cienta­fico e tem gerado um movimento crescente de visitas técnicas por parte de pesquisadores de todo o mundo. Apesar do enorme potencial para estudos, a dificuldade de acesso ao continente gelado ainda éum desafio. Entre as principais atividades de pesquisa no continente, estãoo estudo dos fa³sseis, das adaptações sofridas por esses organismos e das relações de parentesco entre as diferentes espanãcies que habitaram o planeta.

 

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