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Um estrondo nos detectores de LIGO - Virgem sinaliza a fonte de ondas gravitacionais mais massiva atéagora
Produzidas por fena´menos astrofisicos extremos, essas reverberaçaµes ondulam e sacodem o tecido do Espaço-tempo, como o toque de um sino ca³smico.
Por Whitney Clavin - 02/09/2020


O conceito deste artista ilustra um esquema hiera¡rquico para fundir buracos negros. LIGO e Virgo observaram recentemente uma fusão de buraco negro com uma massa final de 142 vezes a do sol, tornando-o o maior de seu tipo observado em ondas gravitacionais atéhoje. Pensa-se que o evento ocorreu quando dois buracos negros de cerca de 66 e 85 massas solares espiralaram um no outro e coalesceram. Os modelos teóricos indicam que a natureza provavelmente não formara¡ buracos negros desse tamanho; em particular, os modelos identificam uma faixa de massas entre 65 e 130 massas solares, chamada de gap de massa de instabilidade de par, na qual se pensa que buracos negros não podem ser formados por uma estrela em colapso. Então, como os dois buracos negros em fusão observados por LIGO e Virgo se originaram? Os cientistas pensam que esses buracos negros podem ter se formado a partir das fusaµes anteriores de dois buracos negros menores, conforme indicado na ilustração - Crédito: LIGO / Caltech / MIT / R. Ferida (IPAC)

Apesar de todo o seu vasto vazio, o universo zumbe com atividade na forma de ondas gravitacionais. Produzidas por fena´menos astrofisicos extremos, essas reverberações ondulam e sacodem o tecido do Espaço-tempo, como o toque de um sino ca³smico.

Agora, os pesquisadores detectaram um sinal do que pode ser a fusão de buracos negros mais massiva já observada em ondas gravitacionais. O produto da fusão representa a primeira detecção clara de um buraco negro de "massa intermedia¡ria", com uma massa entre 100 e 1.000 vezes a do sol.

O sinal, que foi rotulado como GW190521, foi detectado em 21 de maio de 2019, com o Observatório de Ondas Gravitacionais de Interfera´metro a Laser da National Science Foundation (NSF) (LIGO), um par de interfera´metros idaªnticos de 4 quila´metros nos Estados Unidos, e Virgo, um detector de 3 quila´metros de comprimento na Ita¡lia.

O sinal se assemelha a cerca de quatro meneios curtos e éextremamente breve em duração, durando menos de um danãcimo de segundo. Pelo que os pesquisadores podem dizer, GW190521 foi gerado por uma fonte localizada a cerca de 5 gigaparsecs de distância e, portanto, ocorreu quando o universo tinha cerca de metade de sua idade, tornando-se uma das fontes de ondas gravitacionais mais distantes detectadas atéagora.

O que produziu esse sinal? Com base em um conjunto poderoso de ferramentas computacionais e de modelagem de última geração, os cientistas acreditam que o GW190521 foi provavelmente gerado por uma fusão de buraco negro bina¡rio com propriedades incomuns.

Quase todos os sinais de ondas gravitacionais confirmados atéagora foram provenientes da fusão de um par bina¡rio de objetos - dois buracos negros ou duas estrelas de naªutrons. Esta fusão mais recente parece ser a mais massiva atéagora e envolveu um par de buracos negros com 85 e 66 vezes a massa do Sol que espiralaram em direção um ao outro e se fundiram.

A equipe LIGO-Virgo também mediu o giro de cada buraco negro e descobriu que, conforme os buracos negros circulavam cada vez mais pra³ximos, eles poderiam estar girando em torno de seus pra³prios eixos em a¢ngulos que estavam fora de alinhamento com o eixo de sua a³rbita. Os giros desalinhados dos buracos negros provavelmente causaram a oscilação de suas a³rbitas, ou "precessão", enquanto os dois Golias espiralavam um em direção ao outro.

O novo sinal provavelmente representa o instante em que os dois buracos negros se fundiram. A fusão criou um buraco negro ainda mais massivo, com cerca de 142 massas solares, e liberou uma enorme quantidade de energia, equivalente a cerca de oito massas solares, que se espalhou pelo universo na forma de ondas gravitacionais.

"Isso não se parece muito com um 'chilreio', que éo que normalmente detectamos", diz Nelson Christensen, membro do Virgo, pesquisador do Centro Nacional Francaªs de Pesquisa Cienta­fica (CNRS). Em comparação com o sinal da primeira detecção de ondas gravitacionais do LIGO em 2015 , ele diz: "isso émais como algo que faz 'bang' e éo sinal mais massivo que o LIGO e o Virgem já viram."

A equipe internacional de cientistas, que compaµe o LIGO Scientific Collaboration (LSC) e a Virgo Collaboration, relatou suas descobertas em dois artigos publicados hoje. Um, que aparece na Physical Review Letters , detalha a descoberta, e o outro, no The Astrophysical Journal Letters, discute as propriedades físicas do sinal e as implicações astrofa­sicas.

“O LIGO mais uma vez nos surpreende não apenas com a detecção de buracos negros em tamanhos difa­ceis de explicar, mas também com técnicas que não foram projetadas especificamente para fusaµes estelares”, diz Pedro Marronetti, diretor do programa de física gravitacional da NSF. "Isso éde extrema importa¢ncia, pois mostra a capacidade do instrumento de detectar sinais de eventos astrofisicos completamente imprevistos. O LIGO mostra que também pode observar o inesperado."

Na lacuna de massa

As massas excepcionalmente grandes dos dois buracos negros em colisão, bem como o buraco negro final, levantaram uma sanãrie de questões sobre sua formação.

Todos os buracos negros observados atéo momento se enquadram em uma de duas categorias: buracos negros de massa estelar, que medem desde algumas massas solares atédezenas de massas solares e se pensa que se formam quando estrelas massivas morrem, ou buracos negros supermassivos, tais como aquela no centro da gala¡xia da Via La¡ctea, que varia de centenas de milhares a bilhaµes de vezes a massa do nosso sol.

No entanto, o buraco negro final de 142 massas solares produzido pela fusão GW190521 estãodentro de uma faixa de massa intermedia¡ria entre buracos negros de massa estelar e supermassivos, e éo primeiro de seu tipo já detectado.

Os dois buracos negros progenitores que produziram o buraco negro final também parecem ser aºnicos em relação ao seu tamanho. Eles são tão massivos que os cientistas suspeitam que um ou ambos podem não ter se formado a partir de uma estrela em colapso, como acontece com a maioria dos buracos negros de massa estelar.

De acordo com a física da evolução estelar, a pressão externa dos fa³tons e do gás no núcleo de uma estrela a apoia contra a força da gravidade que a empurra para dentro, de modo que a estrela fica esta¡vel, como o sol. Depois que o núcleo de uma estrela massiva funde núcleos ata´micos que são tão pesados ​​quanto o ferro, ele não pode mais produzir pressão suficiente para suportar as camadas externas da estrela. Quando essa pressão externa émenor do que a gravidade, a estrela colapsa sob seu pra³prio peso, provocando uma explosão chamada supernova de colapso do núcleo, que pode deixar para trás um buraco negro.

Esse processo pode explicar como estrelas com a massa de 130 massas solares podem produzir buracos negros com até65 massas solares. Mas para estrelas mais pesadas, acredita-se que um fena´meno conhecido como instabilidade de par comece. Quando os fa³tons do núcleo se tornam extremamente energanãticos, eles podem se transformar em um par de elanãtrons e antielanãtrons. Esses pares geram menos pressão do que os fa³tons, fazendo com que a estrela se torne insta¡vel contra o colapso gravitacional. A explosão resultante étão poderosa que nada édeixado para trás. Estrelas ainda mais massivas, aquelas acima de 200 massas solares, acabariam colapsando diretamente em um buraco negro de pelo menos 120 massas solares. Uma estrela em colapso, então, não deve ser capaz de produzir um buraco negro entre aproximadamente 65 e 120 massas solares, um intervalo conhecido como gap de massa de instabilidade de par.

Mas na detecção atual, o mais pesado dos dois buracos negros que produziram o sinal GW190521, em 85 massas solares, éo primeiro a ser detectado que se enquadra na lacuna de massa de instabilidade do par.

"O fato de estarmos vendo um buraco negro nesta lacuna de massa fara¡ muitos astrofisicos coa§arem a cabea§a e tentar descobrir como esses buracos negros foram feitos", disse Christensen, que éo diretor do Laborata³rio Artemis no Observatório de Nice na Frana§a.

Uma possibilidade, que os pesquisadores consideram em seu segundo artigo, éuma fusão hiera¡rquica, na qual os dois buracos negros progenitores, cada um deles, se formaram pela fusão de dois buracos negros ainda menores; este par de buracos negros recanãm-formados então migrou junto e eventualmente também se fundiu.

"Este evento abre mais perguntas do que fornece respostas", diz o membro do LIGO Alan Weinstein , professor de física da Caltech. "Do ponto de vista da física descoberta, éuma coisa muito emocionante."

"Algo inesperado"

Existem muitas perguntas restantes sobre GW190521.

Enquanto os detectores LIGO e Virgo escutam as ondas gravitacionais passando pela Terra, buscas automatizadas vasculham os dados de entrada em busca de sinais interessantes. Essas pesquisas podem usar dois manãtodos diferentes: algoritmos que selecionam padraµes de onda específicos nos dados que podem ter sido produzidos por sistemas binários compactos e pesquisas de "explosão" mais gerais, que essencialmente procuram por qualquer coisa fora do comum.

Salvatore Vitale, membro do LIGO, professor assistente de física no MIT, compara buscas bina¡rias compactas a "passar um pente pelos dados, que pegara¡ coisas em um certo espaa§amento", em contraste com buscas em rajada que são mais de uma abordagem abrangente.

No caso de GW190521, uma busca em rajada captou o sinal um pouco mais claramente, abrindo a chance muito pequena de que as ondas gravitacionais surgissem de algo diferente de uma fusão bina¡ria.

"A barreira para afirmar que descobrimos algo novo émuito alta", diz Weinstein. "Normalmente aplicamos a navalha de Occam: a solução mais simples éa melhor, que neste caso éum buraco negro bina¡rio."

Mas e se algo inteiramente novo produzisse essas ondas gravitacionais? a‰ uma perspectiva tentadora e, em seu artigo, os cientistas consideram brevemente outras fontes no universo que podem ter produzido o sinal que detectaram. Por exemplo, as ondas gravitacionais podem ter sido emitidas por uma estrela em colapso em nossa gala¡xia. O sinal também pode surgir de uma corda ca³smica produzida logo após o universo inflar em seus primeiros momentos. Mas nenhuma dessas possibilidades exa³ticas corresponde aos dados tão bem quanto uma fusão bina¡ria.

"Desde que ligamos o LIGO pela primeira vez, tudo o que observamos com confianção foi uma colisão de buracos negros ou estrelas de naªutrons", disse Weinstein. "Este éo aºnico evento em que nossa análise permite a possibilidade de que este evento não seja tal colisão. Embora este evento seja consistente com ser de uma fusão de buraco negro bina¡rio excepcionalmente massivo e explicações alternativas sejam desfavorecidas, ele estãoultrapassando os limites de nosso confiana§a. E isso potencialmente o torna extremamente emocionante, porque todos nosesperamos por algo novo, algo inesperado, que possa desafiar o que já aprendemos. Este evento tem potencial para fazer isso. "

Esta pesquisa foi financiada pela NSF.

O LIGO éfinanciado pela NSF e operado pela Caltech e MIT, que concebeu o LIGO e liderou o projeto. O apoio financeiro para o projeto Advanced LIGO foi liderado pela NSF com a Alemanha (Max Planck Society), o Reino Unido (Conselho de Instalações de Ciência e Tecnologia) e a Austra¡lia (Australian Research Council-OzGrav) assumindo compromissos e contribuições significativas para o projeto. Aproximadamente 1.300 cientistas de todo o mundo participam do esfora§o por meio da Colaboração Cienta­fica LIGO, que inclui a Colaboração GEO. Uma lista de parceiros adicionais estãodispona­vel em https://my.ligo.org/census.php .

A Colaboração de Virgo éatualmente composta por aproximadamente 520 membros de 99 institutos em 11países diferentes, incluindo Banãlgica, Frana§a, Alemanha, Hungria, Ita¡lia, Holanda, Pola´nia e Espanha. O Observatório Gravitacional Europeu (EGO) hospeda o detector de Virgem perto de Pisa, na Ita¡lia, e éfinanciado pelo Centre national de la recherche scientifique (CNRS) na Frana§a, o Istituto Nazionale di Fisica Nucleare (INFN) na Ita¡lia e Nikhef na Holanda. Uma lista dos grupos de Colaboração de Virgo pode ser encontrada em http://public.virgo-gw.eu/the-virgo-collaboration/ . Mais informações estãodisponí­veis no site da Virgo em http://www.virgo-gw.eu .

 

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