Tecnologia Científica

Manãtodo inovador de medição de energia em física qua¢ntica étestado em estudo internacional
Experimento obteve medida de calor em um sistema qua¢ntico, que não édescrito por nenhum modelo da física cla¡ssica
Por Júlio Bernardes - 27/05/2021


Pesquisadores Jaºlio Larrea (a  esquerda) e Fernando Almeida discutindo a preparação do experimento para a medição de calor especa­fico sob altas pressaµes  osFoto: Reprodução do Artigo
 
Na física, sistemas qua¢nticos são aqueles em que o comportamento das molanãculas, a¡tomos epartículas não pode ser descrito por nenhum modelo cla¡ssico. Um exemplo éum sistema qua¢ntico de spins. O spin pode ser definido como a manifestação qua¢ntica da rotação dos elanãtrons (que sãopartículas com carga elanãtrica dentro dos a¡tomos). Quando vários elanãtrons apresentam uma mesma rotação, ou seja, um mesmo spin, se diz que todo o sistema se encontra num mesmo estado, que échamado de fase qua¢ntica. Mudanças entre fases qua¢nticas ou transições de fase qua¢ntica podem acontecer sob condições extremas de temperaturas muito baixas, pressão e campos magnanãticos altos, o que torna impossí­vel medir suas propriedades, como o calor (quantidade de energia) pelas técnicas tradicionais.

No Instituto de Fa­sica (IF) da USP, um experimento realizado pelo professor Jaºlio Larrea, com colaboração internacional, testou uma técnica inovadora para medir com alta precisão o calor existente em um sistema qua¢ntico com temperaturas próximas ao zero absoluto (273 graus Celsius negativos), altas pressaµes e intensos campos magnanãticos. Por meio do manãtodo, os fa­sicos verificaram que as transições de fase em um sistema qua¢ntico de spins tem caracteri­sticas semelhantes a s da passagem da águado estado gasoso para o la­quido. Os resultados do trabalho podera£o auxiliar no desenvolvimento de aplicações que exijam transporte de energia sem perdas, como sistemas de computação com alta­ssima capacidade de processamento, em que énecessa¡rio medir a energia retida na forma de calor.

O trabalho éapresentado em artigo publicado no site da revista Nature em 14 de abril deste ano. Os resultados do experimento mostram que a transição de fase no sistema qua¢ntico de spins, quando acontece a mudança de estado, ésemelhante a  que acontece quando a águapassa do estado la­quido para o gasoso.

“Quando a águaferve a 100 graus Celsius, em pressão atmosfanãrica, observamos que o la­quido muda para gás, ou seja, vapor, poranãm nesta transição de fase que se inicia em pressaµes e temperaturas menores, o la­quido e o gás coexistem ao mesmo tempo, causando um salto abrupto na densidade daspartículas, o que échamado pelos fa­sicos de transição de fase primeira ordem ou transição de fase desconta­nua”, explica o professor. “No sistema qua¢ntico de spins, onde a transição de fase qua¢ntica acontece na temperatura de zero absoluto, em pressão cra­tica, dois estados de spin, ou seja, duas rotações diferentes dos elanãtrons, coexistem simultaneamente, indicados por um salto desconta­nuo na densidade dos spins, o que éclassificado como transição de fase qua¢ntica de primeira ordem.”

De acordo com Larrea, na a¡gua, com o aumento de temperatura e a pressão (a na­veis mais altos que a pressão atmosfanãrica), a transição de fase de primeira ordem termina em umnívelde pressão e temperatura chamado de ponto crítico da a¡gua. “Nesse momento, não hámais mudança abrupta na densidade departículas devido a  formação de um aºnico estado, chamado de superfluido. Esse ponto crítico échamado de transição de segunda ordem ou transição de ordem conta­nua”, relata. “No sistema qua¢ntico de spins, a transição de fase de primeira ordem também termina em um ponto cra­tico. A diferença éque, ao contra¡rio da a¡gua, não háum aºnico estado, mas diferentes configurações e ordenamentos dos spins. Isso acontece porque no mundo qua¢ntico, de certa forma, existem muitas possibilidades de aspartículas qua¢nticas se manifestarem, se ordenarem ou se correlacionarem.”

Para entender como acontece a transição de fase no sistema qua¢ntico, foi necessa¡rio medir suas propriedades físicas emnívelqua¢ntico, por meio da técnica de calor especa­fico, que mede a quantidade de energia interna do sistema retido como calor. “Conseguimos pela primeira vez medir com alta precisão o calor especa­fico em uma amostra extremamente pequena e em condições extremas simulta¢neas: temperaturas próximas ao zero absoluto, altas pressaµes e intensos campos magnanãticos”, afirma Larrea. “Foi medido o calor especa­fico do antiferromagneto frustrado SrCu2(BO3)2, também conhecido como SCBO. Este material foi escolhido por ser um sistema puramente qua¢ntico, com interação entre spins, que são a representação da rotação do elanãtron, em geral associada ao magnetismo.”

Condições extremas

A fim de atingir as condições necessa¡rias a  medição, uma amostra do SCBO édepositada em uma pela­cula, chamada de filme fino, e confinada em um volume la­quido, colocado em uma canãlula de pressão. “Apa³s a aplicação da pressão, esta canãlula émontada em contato com um sistema de refrigeração de diluição de mistura de isãotopos de hanãlio, dentro de um criostato de hanãlio la­quido, que pode atingir temperaturas muito próximas ao zero absoluto, que equivale a 273 graus Celsius negativos”, descreve o professor. “Este criostato também conta com uma bobina que permite aplicar o campo magnético de grande intensidade.” As medidas de calor especa­fico foram realizadas no laboratório do professor Henrik Ronnow, da Ecole Polytechnique Fanãdanãrale de Lausanne (EPFL), na Sua­a§a.

Um grande desafio do experimento foi medir o calor especa­fico do SCBO em condições extremas simulta¢neas, o que não pode ser feito com sistemas comerciais de medição. “Nosso manãtodo consiste em trazer a medida do calor especa­fico da amostra,  isolando-a do la­quido e da canãlula de pressão, usando técnicas de calorimetria com aplicação de calor em corrente elanãtrica alternada”, descreve o professor. “Primeiramente, montamos o calora­metro nasuperfÍcie da amostra, colocada na pela­cula atravanãs de deposição de resistências e terma´metros usando o estado da arte de deposição de filmes finos e da microeletra´nica, o que chamamos de ‘lab on the slab’”.

“Em segundo lugar, reduzimos a perturbação ocasionada pelo rua­do eletra´nico da instrumentação e do laboratório”, explica Larrea. “Isso permitiu o envio de calor em forma alternada e modulada, como se fosse uma onda de calor se propagando na amostra, bem como a detecção de pequenos sinais eletra´nicos em temperaturas muito baixas devido aos efeitos qua¢nticos no calor especa­fico.”

“Medir o calor especa­fico do SCBO sob simulta¢neas condições extremas foi como medir o calor de um nadador dentro de quatro piscinas ola­mpicas, as mesmas que se encontram comprimidas em pressaµes 27 mil vezes maiores a  pressão atmosfanãrica e campos magnanãticos 300 mil vezes maiores ao campo magnético da Terra, enviando um sinal de calor para o nadador desde fora das piscinas”, compara o professor. “Nossa abordagem de medir calor especa­fico com corrente alternada contribui para aprimorar os manãtodos de medição de propriedades físicas em sistemas puramente qua¢nticos.”

 

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