Tecnologia Científica

Metano nas plumas da lua de Saturno, Encanãlado: possa­veis sinais de vida?
Os autores aplicaram novos modelos matema¡ticos que combinam geoquímica e ecologia microbiana para analisar os dados da pluma Cassini e modelar os possa­veis processos que explicariam melhor as observaa§aµes.
Por Daniel Stolte - 07/07/2021


A impressão deste artista retrata a nave espacial Cassini da NASA voando atravanãs de uma nuvem de águasuposta em erupção dasuperfÍcie da lua de Saturno, Enceladus. Crédito: NASA

Um processo desconhecido de produção de metano estãoprovavelmente em funcionamento no oceano oculto sob a casca gelada da lua de Saturno Enceladus, sugere um novo estudo publicado na Nature Astronomy por cientistas da Universidade do Arizona e da Universidade de Ciências e Lettres de Paris.

As gigantescas plumas de águaem erupção de Enceladus hámuito tempo fascinam os cientistas e o paºblico, inspirando pesquisas e especulações sobre o vasto oceano que se acredita estar espremido entre o núcleo rochoso da lua e sua concha gelada. Voando atravanãs das plumas e amostrando sua composição química , a Espaçonave Cassini detectou uma concentração relativamente alta de certas moléculas associadas a fontes hidrotermais no fundo dos oceanos da Terra, especificamente dihidrogaªnio, metano e dia³xido de carbono. A quantidade de metano encontrada nas plumas foi particularmente inesperada.

"Quera­amos saber: Sera¡ que micróbios semelhantes a  Terra, que 'comem' o di-hidrogaªnio e produzem metano, explicam a quantidade surpreendentemente grande de metano detectada pela Cassini?" disse Regis Ferriere, professor associado do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona e um dos dois principais autores do estudo. "A busca por tais micróbios, conhecidos como metana³genos, no fundo do mar de Enceladus exigiria missaµes de mergulho profundo extremamente desafiadoras que não estãoa  vista hávárias décadas."

Ferriere e sua equipe seguiram um caminho diferente e mais fa¡cil: eles construa­ram modelos matema¡ticos para calcular a probabilidade de que diferentes processos, incluindo a metanogaªnese biológica, pudessem explicar os dados da Cassini.

Os autores aplicaram novos modelos matema¡ticos que combinam geoquímica e ecologia microbiana para analisar os dados da pluma Cassini e modelar os possa­veis processos que explicariam melhor as observações. Eles concluem que os dados da Cassini são consistentes com a atividade microbiana da fonte hidrotanãrmica ou com processos que não envolvem formas de vida, mas são diferentes dos que ocorrem na Terra.

Na Terra, a atividade hidrotanãrmica ocorre quando a águado mar fria penetra no fundo do oceano, circula pela rocha subjacente e passa perto de uma fonte de calor, como uma ca¢mara de magma, antes de ser expelida na águanovamente por meio de fontes hidrotermais. Na Terra, o metano pode ser produzido por meio da atividade hidrotanãrmica, mas em um ritmo lento. A maior parte da produção se deve a microrganismos que aproveitam o desequila­brio qua­mico do di-hidrogaªnio produzido hidrotermicamente como fonte de energia e produzem metano a partir do dia³xido de carbono em um processo chamado metanogaªnese.
 
A equipe analisou a composição da pluma de Enceladus como o resultado final de vários processos químicos e fa­sicos ocorrendo no interior da lua. Primeiro, os pesquisadores avaliaram qual produção hidrotanãrmica de dihidrogaªnio se ajustaria melhor a s observações da Cassini e se essa produção poderia fornecer "alimento" suficiente para sustentar uma população de metana³genos hidrogenotra³ficos semelhantes a  Terra. Para isso, eles desenvolveram um modelo para a dina¢mica populacional de um hipotanãtico metanogaªnio hidrogenotra³fico, cujo nicho tanãrmico e energanãtico foi modelado a partir de cepas conhecidas da Terra.

Os autores então executaram o modelo para ver se um determinado conjunto de condições químicas, como a concentração de dihidrogaªnio no fluido hidrotanãrmico, e a temperatura forneceriam um ambiente adequado para o crescimento desses micróbios. Eles também analisaram o efeito que uma população hipotanãtica de micróbios teria em seu ambiente - por exemplo, nas taxas de escape de dihidrogaªnio e metano na pluma.

Esta visão em corte da lua Enceladus de Saturno éuma representação arta­stica que retrata
uma possí­vel atividade hidrotermal que pode estar ocorrendo no fundo do mar do
oceano subterra¢neo da lua, com base nos resultados da missão
Cassini da NASA. Crédito: NASA / JPL-Caltech

"Em resumo, não são podera­amos avaliar se as observações da Cassini são compata­veis com um ambiente habita¡vel por toda a vida, mas também podemos fazer previsaµes quantitativas sobre as observações esperadas, caso a metanogaªnese realmente ocorra no fundo do mar de Enceladus", explicou Ferriere.

Os resultados sugerem que mesmo a estimativa mais alta possí­vel da produção abia³tica de metano - ou produção de metano sem ajuda biológica - com base na química hidrotanãrmica conhecida estãolonge de ser suficiente para explicar a concentração de metano medida nas plumas. Adicionar metanogaªnese biológica a  mistura, no entanto, poderia produzir metano suficiente para coincidir com as observações da Cassini.

"Obviamente, não estamos concluindo que existe vida no oceano de Enceladus", disse Ferriere. "Em vez disso, quera­amos entender a probabilidade de que as fontes hidrotermais de Enceladus pudessem ser habitadas por microorganismos semelhantes a  Terra. Muito provavelmente, os dados da Cassini nos dizem, de acordo com nossos modelos.

“E a metanogaªnese biológica parece ser compata­vel com os dados. Em outras palavras, não podemos descartar a 'hipa³tese de vida' como altamente improva¡vel. Para rejeitar a hipa³tese de vida, precisamos de mais dados de missaµes futuras”, acrescentou.

Os autores esperam que seu artigo fornea§a orientação para estudos que visem melhor compreender as observações feitas pela Cassini e que incentive pesquisas para elucidar os processos abia³ticos que poderiam produzir metano suficiente para explicar os dados.

Por exemplo, o metano poderia vir da decomposição química da matéria orga¢nica primordial que pode estar presente no núcleo de Enceladus e que poderia ser parcialmente transformada em dihidrogaªnio, metano e dia³xido de carbono por meio do processo hidrotanãrmico. Essa hipa³tese émuito plausa­vel se for descoberto que Enceladus se formou por meio do acranãscimo de material orga¢nico rico fornecido por cometas, explicou Ferriere.

"Em parte, tudo se resume a quanto prova¡veis ​​acreditamos que sejam as diferentes hipa³teses", disse ele. "Por exemplo, se considerarmos que a probabilidade de vida em Encanãlado éextremamente baixa, esses mecanismos abia³ticos alternativos se tornam muito mais prova¡veis, mesmo se forem muito estranhos em comparação com o que conhecemos aqui na Terra."

Segundo os autores, um avanço muito promissor do artigo estãoem sua metodologia, pois não se limita a sistemas específicos como oceanos interiores de luas geladas e abre caminho para lidar com dados químicos de planetas fora do sistema solar a  medida que se tornam. disponí­veis nas próximas décadas.

 

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