Tecnologia Científica

Decodificando uma parte chave da canãlula, a¡tomo por a¡tomo
Em seu artigo intitulado 'Arquitetura da face citoplasma¡tica do poro nuclear', Hoelz e sua equipe de pesquisa descrevem como mapearam a estrutura do lado do NPC voltado para fora do núcleo e para o citoplasma das células.
Por Emily Velasco - 10/06/2022


Crédito: Valerie Altounian


O que quer que vocêesteja fazendo, seja dirigindo um carro, correndo ou atémesmo no seu momento mais preguia§oso, comendo batatas fritas e assistindo TV no sofa¡, hátodo um conjunto de maquinaria molecular dentro de cada uma de suas células trabalhando duro. Esse maquina¡rio, pequeno demais para ser visto a olho nu ou mesmo com muitos microsca³pios, cria energia para a canãlula, fabrica suas protea­nas, faz ca³pias de seu DNA e muito mais.

Entre essas ma¡quinas, e uma das mais complexas, estãoalgo conhecido como complexo de poros nucleares (NPC). O NPC, que éfeito de mais de 1.000 protea­nas individuais, éum guardia£o incrivelmente discriminador do núcleo da canãlula, a regia£o ligada a  membrana dentro de uma canãlula que contanãm o material genanãtico dessa canãlula. Qualquer coisa que entre ou saia do núcleo tem que passar pelo NPC em seu caminho.

O papel do NPC como guardia£o do núcleo significa que évital para as operações da canãlula. Dentro do núcleo, o DNA, o ca³digo genanãtico permanente da canãlula, écopiado em RNA. Esse RNA éentão transportado para fora do núcleo para que possa ser usado para fabricar as protea­nas de que a canãlula precisa. O NPC garante que o núcleo obtenha os materiais necessa¡rios para sintetizar o RNA, ao mesmo tempo que protege o DNA do ambiente hostil fora do núcleo e permite que o RNA deixe o núcleo depois de ter sido produzido.

"a‰ um pouco como um hangar de avia£o onde vocêpode consertar 747s, e a porta se abre para deixar o 747 entrar, mas háuma pessoa la¡ que pode impedir que uma única bola de gude saia enquanto as portas estãoabertas", diz Andranã, do Caltech. Hoelz, professor de química e bioquímica e bolsista do Howard Hughes Medical Institute. Ha¡ mais de duas décadas, Hoelz estuda e decifra a estrutura do NPC em relação a  sua função. Ao longo dos anos, ele foi desvendando seus segredos, desvendando-os pedaço por pedaço por pedaço .

As implicações desta pesquisa são potencialmente enormes. O NPC não éapenas central para as operações da canãlula, mas também estãoenvolvido em muitas doena§as. Mutações no NPC são responsa¡veis ​​por alguns ca¢nceres incura¡veis, por doenças neurodegenerativas e autoimunes, como esclerose lateral amiotra³fica (ELA) e encefalopatia necrosante aguda, e por doenças carda­acas, incluindo fibrilação atrial e morte saºbita carda­aca precoce. Além disso, muitos va­rus, incluindo o responsável pelo COVID-19, visam e desligam o NPC durante o curso de seus ciclos de vida.
 
Agora, em um par de artigos publicados na revista Science , Hoelz e sua equipe de pesquisa descrevem dois avanços importantes: a determinação da estrutura da face externa do NPC e a elucidação do mecanismo pelo qual protea­nas especiais agem como uma cola molecular para manter o NPC unido.

Um quebra-cabea§a 3D muito pequeno

Em seu artigo intitulado "Arquitetura da face citoplasma¡tica do poro nuclear", Hoelz e sua equipe de pesquisa descrevem como mapearam a estrutura do lado do NPC voltado para fora do núcleo e para o citoplasma das células. Para fazer isso, eles tiveram que resolver o equivalente a um minaºsculo quebra-cabea§a 3D , usando técnicas de imagem como microscopia eletra´nica e cristalografia de raios X em cada pea§a do quebra-cabea§a.

Stefan Petrovic, estudante de pós-graduação em bioquímica e biofa­sica molecular e um dos coprimeiros autores dos artigos, diz que o processo começou com a bactanãria Escherichia coli (uma cepa de bactanãria comumente usada em laboratórios) que foram geneticamente modificadas para produzir as protea­nas que compõem o NPC humano.

"Se vocêentrar no laboratório, podera¡ ver essa parede gigante de frascos em que as culturas estãocrescendo", diz Petrovic. "Expressamos cada protea­na individual em células de E. coli, quebramos essas células e purificamos quimicamente cada componente proteico".

Uma vez que a purificação osque pode exigir até1.500 litros de cultura bacteriana para obter material suficiente para um aºnico experimento osfoi conclua­da, a equipe de pesquisa começou a testar meticulosamente como as pea§as do NPC se encaixavam.

George Mobbs, pesquisador associado de pa³s-doutorado saªnior em química e outro co-primeiro autor do artigo, diz que a montagem aconteceu de forma "passo a passo"; em vez de despejar todas as protea­nas juntas em um tubo de ensaio ao mesmo tempo, os pesquisadores testaram pares de protea­nas para ver quais se encaixariam, como duas pea§as de quebra-cabea§a. Se fosse encontrado um par que se encaixasse, os pesquisadores testariam as duas protea­nas agora combinadas contra uma terceira protea­na atéencontrarem uma que se encaixasse nesse par, e então a estrutura de três pea§as resultante seria testada contra outras protea­nas, e assim sobre. Atravessar as protea­nas dessa maneira acabou produzindo o resultado final de seu artigo: uma fatia de 16 protea­nas que érepetida oito vezes, como fatias de uma pizza, para formar a face do NPC.

“Relatamos a primeira estrutura completa de toda a face citoplasma¡tica do NPC humano, juntamente com validação rigorosa, em vez de relatar uma sanãrie de avanços incrementais de fragmentos ou porções com base em observações parciais, incompletas ou de baixa resolução”, diz Si ​​Nie , pesquisador associado de pa³s-doutorado em química e também co-primeiro autor do artigo. "Decidimos esperar pacientemente atéobter todos os dados necessa¡rios, relatando uma enorme quantidade de novas informações".

Seu trabalho complementou a pesquisa conduzida por Martin Beck, do Instituto Max Planck de Biofa­sica em Frankfurt, na Alemanha, cuja equipe usou tomografia crioeletra´nica para gerar um mapa que forneceu os contornos de um quebra-cabea§a no qual os pesquisadores tiveram que colocar as pea§as. Para acelerar a conclusão do quebra-cabea§a da estrutura do NPC humano, Hoelz e Beck trocaram dados hámais de dois anos e, em seguida, construa­ram estruturas independentes de todo o NPC. "O mapa de Beck substancialmente melhorado mostrou muito mais claramente onde cada pea§a do NPC - para o qual determinamos as estruturas atômicas - tinha que ser colocada, semelhante a uma moldura de madeira que define a borda de um quebra-cabea§a", diz Hoelz.

As estruturas determinadas experimentalmente das pea§as NPC do grupo Hoelz serviram para validar a modelagem do grupo Beck. "Colocamos as estruturas no mapa de forma independente, usando abordagens diferentes, mas os resultados finais concordaram completamente. Foi muito gratificante ver isso", diz Petrovic.

"Construa­mos uma estrutura na qual muitos experimentos podem agora ser feitos", diz Christopher Bley, pesquisador saªnior de pa³s-doutorado associado em química e também co-primeiro autor. "Na³s temos essa estrutura composta agora, e ela permite e informa futuros experimentos sobre a função do NPC, ou mesmo doena§as. Existem muitas mutações no NPC que estãoassociadas a doenças terra­veis, e saber onde elas estãona estrutura e como elas se unir pode ajudar a projetar o pra³ximo conjunto de experimentos para tentar responder a s perguntas sobre o que essas mutações estãofazendo."

'Este elegante arranjo de macarra£o espaguete'

No outro artigo, intitulado "Arquitetura do linker-scaffold no poro nuclear", a equipe de pesquisa descreve como determinou toda a estrutura do que éconhecido como linker-scaffold do NPC - a coleção de protea­nas que ajudam a manter o NPC unido ao mesmo tempo que fornece a flexibilidade necessa¡ria para abrir e fechar e ajustar-se a s moléculas que passam.

Hoelz compara o NPC a algo construa­do com pea§as de Lego que se encaixam sem travar e, em vez disso, são amarradas por ela¡sticos que os mantem principalmente no lugar, enquanto ainda permitem que eles se movam um pouco.

"Eu chamo esses pedaço s de cola não estruturados de 'matéria escura do poro'", diz Hoelz. "Este elegante arranjo de macarra£o espaguete mantanãm tudo junto."

O processo para caracterizar a estrutura do linker-scaffold foi praticamente o mesmo que o processo usado para caracterizar as outras partes do NPC. A equipe fabricou e purificou grandes quantidades de muitos tipos de protea­nas de ligação e andaimes, usou uma variedade de experimentos bioquímicos e técnicas de imagem para examinar interações individuais e as testou pea§a por pea§a para ver como elas se encaixam no NPC intacto.

Para verificar seu trabalho, eles introduziram mutações nos genes que codificam cada uma dessas protea­nas de ligação em uma canãlula viva. Como eles sabiam como essas mutações mudariam as propriedades químicas e a forma de uma protea­na ligante especa­fica, tornando-a defeituosa, eles poderiam prever o que aconteceria com a estrutura dos NPCs da canãlula quando essas protea­nas defeituosas fossem introduzidas. Se os NPCs da canãlula fossem funcional e estruturalmente defeituosos da maneira que esperavam, eles sabiam que tinham o arranjo correto das protea­nas de ligação.

"Uma canãlula émuito mais complicada do que o sistema simples que criamos em um tubo de ensaio, por isso énecessa¡rio verificar se os resultados obtidos em experimentos in vitro se sustentam in vivo", diz Petrovic.

A montagem da face externa do NPC também ajudou a resolver um mistério de longa data sobre o envelope nuclear, o sistema de membrana dupla que envolve o núcleo. Como a membrana da canãlula dentro da qual reside o núcleo, a membrana nuclear não éperfeitamente lisa. Em vez disso, écravejado de moléculas chamadas protea­nas integrais de membrana (IMPs) que servem em uma variedade de papanãis, inclusive atuando como receptores e ajudando a catalisar reações bioquímicas.

Embora os IMPs possam ser encontrados nos lados interno e externo do envelope nuclear, não estava claro como eles realmente viajavam de um lado para o outro. De fato, como os IMPs estãopresos dentro da membrana, eles não podem simplesmente deslizar pelo canal de transporte central do NPC como fazem as moléculas flutuantes.

Uma vez que a equipe de Hoelz entendeu a estrutura do linker-scaffold do NPC, eles perceberam que ele permite a formação de pequenas "calhas" ao redor de sua borda externa que permitem que os IMPs passem pelo NPC de um lado do envelope nuclear para o outro enquanto permanecendo sempre embutido na própria membrana.

"Isso explica muitas coisas que eram enigma¡ticas no campo. Estou muito feliz em ver que o canal de transporte central realmente tem a capacidade de dilatar e formar portas laterais para esses IMPs, como hava­amos proposto originalmente hámais de uma década. ", diz Hoelz.

Em conjunto, as descobertas dos dois artigos representam um salto na compreensão dos cientistas de como o NPC humano éconstrua­do e como ele funciona. As descobertas da equipe abrem as portas para muito mais pesquisas. “Depois de determinar sua estrutura, agora podemos nos concentrar em trabalhar as bases moleculares para as funções do NPC, como como o mRNA éexportado e as causas subjacentes das muitas doenças associadas ao NPC com o objetivo de desenvolver novas terapias”, diz Hoelz.

Os artigos que descrevem o trabalho aparecem na edição de 10 de junho da revista Science .

 

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